Eu dizia o seu nome

Eu tiro os rótulos. Literalmente. Xampu tem uma cor, condicionador tem outra, sei que ao lado da pia da cozinha está o detergente, não me venham presentear com o pote de vidro escrito: “farinha”, pois se eu quiser botar açúcar vou ficar incomodada. Trabalho cá dentro pra tirar os rótulos do resto também, das pessoas, das relações, das artes – embora nem sempre consiga.

Mas tem um outro lado meu que gosta dos nomes. Dar nome, essa coisa tão americana, ajuda a pensar coisas. Um nome não necessariamente define, mas delimita, é uma beleza, uma ajuda no sentir. Ou um toque de inesperado – como aquela amiga querida que dá nome de gente ao carro, ao telefone, à panela, ao peixe, surpreendendo as pessoas com seus Osvaldos. Amo os nomes: café 22, botecamp, dez pro bem, café corrente, simplim, tão simples, não posso ver um projeto que já vou batizando. É carinho.

No fim, o que conta é mesmo entender como a cabeça funciona e como ela se arruma pra lidar com o de fora: a confusão, a demora, a impossibilidade, e até suas irmãs harmonia, urgência, realização – porque o bom também estressa. Explicando o mundo me acalmo. As palavras, elas sempre.

shampoo, condicionador, gel de banho - foto.
by-nc-nd 2.0, some rights reserved by ALWH – flickr.com/photos/alwh

Tijolo com tijolo num desenho mágico

Eu às vezes não tenho paciência pro vocabulário da poesia. Aparece um homem falando da vida na floresta, eu digo “esse aí? nem cinco minutos eu aturava”. Vem outro e fala de cimento, tijolo, revestimento, e eu: “com esse sim eu fechava o boteco”, tal qual uma Dona Baratinha concreta e ligeiramente alcoólatra. Meu conselheiro diz: “larga esse corpo de exatas, que ele não te pertence, vem pro onírico”, mas meu pé grande tá fincado no chão, bem raiz. Que que a gente faz? A gente segue. “Bruxa cartesiana.”

A thousand flowers could bloom

Broder, me dei conta de que agora fez um tempo e a gente não se vê mais. Eu te maldisse mil vezes e de todas as minhas histórias a nossa foi a mais estranha: curta, clandestina, errática, cheia de falhas de comunicação, a maior concentração de filhadaputice por metro quadrado e aquela música que ficou pra sempre entalada na memória. Você me oferecia bebida como se achasse que eu não ia dar pra você (eu ia), você curtia o segredo como se eu precisasse dele (não precisava), você fingia que não fazia muita questão (fazia). Até o final foi esquisito, todo errado. Mas broder, cê lembra como era bom? 

Não dormia nua

Você me disse assim: “você nunca mais ficou nua no blog”. E eu disse: “é verdade”. Do mesmo jeito que nunca mais me apaixonei como aos vinte anos, nunca mais derreti no chuveiro, nunca mais romance, nunca mais cinema, nunca mais drink no dance. Tal qual uma Sasha sexy cujas sacanagens se alfabetizaram em inglês, nunca mais achei a tradução de small of the back para ser gentilmente conduzida assim pelo small of the back  para fora de um restaurante ou para dentro de um tesão incubado qualquer.

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Tem tempos e tempos. Tempos de mesa de bar, tempos de chão da sala, tempo de cama. Casa, rua, a gente vai zanzando de acordo com a cabeça e a conjuntura. Andamos agora de casa, eu e vocês. Entrando e saindo de nossas casas, discutindo detalhes – sórdidos, inclusive – tomando café. É uma intimidade não esperada para esta cidade, para estas pessoas, para nós. Ninguém nos acredita, inocentes não somos – jamais.
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Perna bamba e coração mole. Você insiste: “escreve, escreve mais contos safados para mocinhas que já vêm molhadas”. E eu: “não, não posso!”. Na falta de enredo, só imagens: gesto de menina, nas mãos muitos dedos, nos dedos muitos anéis. O olhar de senhorinha por sobre os óculos, toda ela criança. Quem diria que eu de novo ia encontrar santo menino que velho respeita? Velha, no caso, eu. O jeito que ela tira os óculos no escuro já no último minuto antes de partir pro ataque, o tanto de badulaque no corpo, a moleza, a pegada, hippie cigana agênera com sotaque fazendo o número do violão e um tanto de trocadilho ruim. Se alguém pegar a bola de cristal e disser que a gente nunca mais se vê, sai: chôro sentido e texto bom. Se me disser a mesma bruxa que a gente se vê por aí, a cada tanto, em cantos escuros lá e cá, acredito piamente também. O sea, resumiendo, estoy jodida y radiante, quizás más lo primero que lo segundo y también viceversa.

Ah, por favor, não vem me explicar

Cá no inbox, uma amiga cientista pergunta: “Qual será a proporção de homens e mulheres que são contraditos ou duvidados quando falam sobre sua especialidade por alguém (quase sempre um homem) que não é nem especialista na mesma area? Pense num ódio…”

Lá nos EUA, uma vez um professor do Dan (meu ex, que estudava filosofia da física) estava conversando com ele no almoço, propondo um thought experiment de relatividade especial – nave a, nave b, fio inextensível, etc. E eu do lado prestando atenção. Lá pras tantas o professor me pergunta “am I boring you yet, honey?”. O Dan rapidamente corrigiu o cara  dizendo que eu tinha graduação e mestrado em física, e o cara só disse “ah, isso são dois diplomas a mais que eu”, deu de ombros e continuou sem pedir nem desculpa nem expressar embaraço.

Moral da história? Não seja esse cara. Por favor, não seja esse cara.

Beija eu

Mais um capítulo do Manual de Etiqueta Amorosa e Sexual do Canalha Gentil e da Safada de Fino Trato, a ser escrito por esta que vos fala assim que sobrar um tempinho:

A hora certa de conversar sobre monogamia e relacionamentos abertos, sobre disposições emocionais várias ou sobre a tara esquisita que te faz cantar o Hino da Bandeira na hora do orgasmo (pátria, filhos e mãe gentil na mesma frase) é – presta bastante atenção! – naquele intervalo de tempo depois de beijar e antes de tirar a roupa.

Antes do beijo esses assuntos podem ser um ótimo quebra-gelo mas o investimento na situação é baixo demais e as pessoas podem deixar de se permitir algo que nem é tão ruim assim.

Depois de tirar a roupa já é quase uma traição, uma propaganda enganosa, um descombinado se infiltrando ali onde não devia.

Kitty Reindeer

É muito ruim comprar gato por lebre, mas dá uma olhada nesse gato de novo, vai…

Para ouvir: Esqueça o que te disseram sobre o amor

A cidade ideal

Voltar a uma cidade e deixar que ela se emaranhe na sua vida enquanto você cria novas memórias. Quem morou todo o tempo no mesmo lugar não entende como é que pode alguém tomar amor por uma entrada de estação do metrô só porque ela fica perto do boteco onde aquela vez, aquela história. Não entende como o jardim de um prédio histórico já foi uma floresta gigante e refúgio de namorico adolescente e lugar de levar os sobrinhos e agora é caminho de vizinhança. A praça, a calçada, a loja, todos cenários de um Rio que não se visita: ele apenas é.

Palácio do Catete0032

Se é tarde, me perdoa

Houve uma época em que os pensamentos da madrugada desaguavam diretamente aqui no blog. Tudo era motivo: um comentário do dia-a-dia, um afazer, um diálogo. Mudamos eu, a internet, o blog, até os diálogos. O comum e corrente da vida vai parar num cercadinho chamado Facebook, há mais reservas e há menos blogs, como atestam as dezenas de urls fantasmas vistas na migração do meu Google Reader para o Feedly.

Mas o que é que eu queria?

Embraced by words, by Robbert van der Steeg
Embraced by words, by Robbert van der Steeg

Eu queria voltar. Eu queria desenguiçar a máquina de escrever. Ainda ando envolta em palavras, fazendo cachecol delas, e um pouco contrariada com Clarice que elegeu amar como forma de salvação individual. Ok, entendo, mas as palavras, ó, as palavras, têm sido tudo o que eu respiro e faço e espero, em tantos contextos diferentes. E têm sido salvação como desde sempre eu esperava. No entanto não vêm mais aqui e nem pelos mesmos motivos.

E continuo querendo.

Quando eu morava em outros lados e ficava uma semana inteira sem um abraço se não marcasse de ver os poucos e bons mais chegados, meu sonho dourado era andar pela rua reconhecendo gentes – conhecidos, amigos – em plena cidade grande e não só na mini-cidade do campus. Eu achava que encontros fortuitos iam ser o auge do pertencer.

E estava certa.

Ainda as palavras: outro dia ri sozinha ao lembrar daquelas: “Hoy, al verlo, me di cuenta que lo nuestro no es más que una ilusión.”

E era.

Relaxa, gata!

(Este texto é da programadora Katie Cunningham e foi publicado em seu blog pessoal, The Real Katie, e no BuzzFeed. A tradução é minha. Aceito correções e revisões.)

Recentemente, me perguntaram por que uma mulher que adora programar largaria esse ofício. Sério: houve um momento da minha vida em que eu decidi que programar era algo que eu só faria em privado. Só agora estou devagar voltando ao mercado.

Eu amo programar. Faço isso desde antes da puberdade. Fazia isso quando mal tinha dinheiro pra pagar o servidor. Faço isso nos fins de semana e noites, e estou ensinando meus filhos como fazê-lo. Gastei milhares de dólares para ir a conferências para poder aprender mais. Por que eu largaria uma profissão em que sou paga para fazer o que amo?

Em resumo, eu cansei de ouvir “relaxa”.

Tooga/Getty Images via BuzzFeed
Tooga/Getty Images via BuzzFeed

Essa indústria carrega um machismo sutil. Eu quase prefiro machismo aberto, porque pelo menos você consegue apontá-lo. As farpas sutis são geralmente descartadas como algo com que eu não preciso me preocupar. É uma piada! Afe. Por que você é tão sensível? Eu só fiz uma piada sobre você ter que estar na cozinha!

Relaxa.

As farpas também não são sempre piadas. Às vezes, são tentativas de me empurrar para um papel tradicionalmente “feminino”. Como mulher, eu fui a única pessoa do grupo a quem pediram para organizar um lanche (supostamente, esse é um trabalho indigno para homens). Eu fui a única a quem pediram para tomar notas numa reunião