Ela se casou hoje. A Lindona. Aquela menina gorduchinha, que se apresentou com um sotaque tão paulista, Marrrrcia, e perguntou meu nome. Igual ao da mãe dela, ela disse.

Meus pais foram à festa. Liguei para o celular da minha mãe e pedi pra falar com ela. Não consegui falar nada, só chorei. Falei com o marido dela também. “Obrigado por estar aqui com a gente”, mesmo pelo telefone. Voltei a falar com minha mãe. Ela também chorou. Um desastre. Agora escrevo com as lágrimas caindo pelo computador afora.

Mas o que eu queria? É como quando éramos pequenas. Mesmo se ela dormisse lá em casa duas noites seguidas, mesmo quando já não tínhamos mais brincadeiras que inventar, eu chorava aos borbotões quando ela ia embora. Aos sete anos, comecei a estudar piano só porque era na casa dela, a professora era a minha xará. Depois já não estudávamos juntas, mas pelo menos tínhamos essa desculpa. E nossos passeios. Ir ao teatro com os pais de uma ou de outra. Fazer balé juntas. Fofocar, agora que já não estávamos na mesma classe.

A distância foi só aumentando. Mas só na geografia, não no coração. Uma no Rio, outra em São Paulo. Muitas férias. Lá, cá, no Espírito Santo. Eu contava os dias para podermos estar juntas, falar tanto sentadas à janela ou antes de dormir. Ou depois de, como às vezes acontecia: eu contava um caso compriiiido, e depois ia ver ela tinha dormido no meio.

Um dia fui a São Paulo e ela me disse que a família estava se mudando para Sorocaba. Tínhamos 16 anos, íamos fazer o terceiro ano. “Eu não quero ir pra lá.” Fez um escândalo, se trancou no quarto, chorou. Mas foi. E adorou.

E foi lá que ela conheceu o que hoje, agora, há umas duas horas, é o seu marido. Certinho que só ele, ou melhor, que só ela. Gente fina. Eu estou feliz por eles, juro. Mas não consigo parar de chorar. É como se ao mesmo tempo eu desejasse tudo de bom e tivesse uma dor de quem teve um pedaço arrancado. Dou-me conta agora de que a distância geográfica importa, sim. E de que os nossos caminhos vão se bifurcando cada vez mais. Seremos amigas, sim. Eu sei que ela gosta de mim, e eu gosto dela também, mais do que as palavras podem expressar. Só que agora eu sei que talvez nossos filhos não cresçam juntos, talvez não sejamos capazes de manter contato pra sempre. Apenas o tempo dirá.

De qualquer maneira, terá valido a pena. Ela é seguramente uma das pessoas mais importantes na minha vida. Ensinou-me coisas pequenas (se você mantém o papel alumínio no chocolate não lambuza os dedos) e lições inesquecíveis. Que família da gente não é só a família de nascimento. Que uma amizade não é feita só de semelhanças e coincidências (ter nascido no mesmo lugar, ter dado o primeiro beijo na mesma semana), mas também de diferenças (de comportamento, de posicionamento religioso, de opinião em vários assuntos). Que o apoio dos amigos não precisa ser incondicional, só precisa ser sincero. E que momentos bons estarão sempre marcados, onde quer que estejamos.

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Os fatos: a Marcia, que não é mais gorduchinha, é um mulherão de alta e loira, nasceu no Rio, como eu. Mudou pra Sampa aos 4, eu mudei aos 5, e foi lá que nos conhecemos, no colégio Santa Marcelina, Jardim D. Na segunda série ela foi pro turno da manhã, mas nossos pais já tinham ficado amigos por minha conta e nós nunca deixamos de nos ver. Eu mudei de professora de piano lá pelos 9, 10 anos. Hoje eu detesto piano, não me lembro de mais nada. Quando eu fiz 12 anos fui morar no Rio. Ia a São Paulo de vez em quando, e um ano depois começamos a nos ver nas férias quase sempre. Passamos uns bons verões em Guarapari. Ela mudou pra Sorocaba e estudou Direito. Eu mudei pra Campinas e estudei Física. Casei-me com o Gastón em 2000, e ela foi madrinha. Hoje moro nos Estados Unidos, estou em semana de provas e perdi o casamento. De todos, esse era o que eu não podia ter perdido…

College Park, MD, EUA, 3 de maio de 2003. 7:55, horário de Brasília.