Mais uma vez, nas suas hesitações confusas, o que a tranqüilizou foi o que tantas vezes lhe servia de sereno apoio: é que tudo o que existia, existia com uma precisão absoluta e no fundo o que ela terminasse por fazer ou não fazer não escaparia dessa precisão; aquilo que fosse do tamanho da cabeça de um alfinete, não transbordava nenhuma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete: tudo o que existia era de uma grande perfeição. Só que a maioria do que existia com tal perfeição era, tecnicamente, invisível: a verdade, clara e exata em si própria, já vinha vaga e quase insensível à mulher.
Bem, suspirou ela, se não vinha clara, pelo menos sabia que havia um sentido secreto das coisas da vida. De tal modo sabia que às vezes, embora confusa, terminava pressentindo a perfeição ―
de novo esses pensamentos, que de algum modo usava como lembrete (de que, por causa de perfeição que existia, ela terminaria acertando) ― mais uma vez o lembrete agiu nela e com seus olhos ainda escuros agora pelo pensamento perturbado, decidiu que veria Ulisses pelo menos mais esta vez.
Clarice Lispector, em “Uma aprendizagem, ou O Livro dos prazeres”, 18.ed., p. 25.