Nem os tristes

Mas os momentos felizes não estão escondidos nem no passado e nem no futuro.

Pandora Oráculo

Enquanto minhas palavras se engalfinham no de-dentro e fazem redemoinhos de obsessão, raiva e alegrias pequenas alternadas, e desejo, e incerteza, vou ficando com o oráculo que vem pelo rádio no rádio que vem pela internet. As palavras são de outros mas ressoam alto. Mas por pior que as coisas fiquem, algumas canções estão seguras à chave. Volta, Dindi.

O teu desejo é meu maior prazer Mande notícias do mundo de lá Diz quem fica Me dê um abraço Venha me apertar Eu gosto de você e gosto de ficar com você meu riso é tão feliz contigo Coração de eterno flerte, adoro ver-te Pois quando eu te vejo eu desejo o teu desejo Ô, Rita, tu sai da janela Deixa esse moço passar Quem não é rica e é bela Não pode se descuidar Mas, Rita, tu sai da janela Que as moça desse lugar Nem se demora donzela Nem se destina a casar Ê Ô! O vento soprou! Ê Ô! A folha caiu! Ê Ô! Cadê meu amor? Que a noite chegou fazendo frio

Futuros amantes

(Chico Buarque/1993)

Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar

E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos

Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização

Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você

Do fundo do baú da memória

Também estava um dia lindo ontem, primavera pura, um daqueles dias em que eu, que amo calor, saio flutuando pela rua e achando que o tempo parou, que tudo vai dar certo e o mundo é lindo, por algum motivo sempre me sinto assim na primavera e termino perdidamente apaixonada, adolescente em último grau. Minha mãe diz que é porque eu sou jovem, ela também era assim, agora quando bate o calor ela só quer se esconder.
(trecho de correspondência)

Ou isto ou aquilo
(Cecília Meireles)
Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo . . .
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

(Do livro da época de criança)

Moral da história: ler correspondências e diários antigos é bom, mas faz mal numa tarde chuvosa. Não recomendo.

On Being

Eu pensei que todo mundo já conhecia, mas a série de vídeos On Being parece ser o segredo mais bem guardado da web. O jornal Washington Post publica semanalmente, às quartas-feiras, vídeos de não mais de quatro minutos produzidos pela videógrafa Jennifer Crandall.

“On Being é um projeto baseado na simples noção de que nós deveríamos conhecer uns aos outros um pouco melhor. O que se encontra aqui é uma série de vídeos que levam você às reflexões, paixões, histórias e peculiaridades de todos os tipos de pessoas. Esta é a essência de quem são, de quem somos.”

Esta série me lembra um pouco os filmes longa-metragem da série Up (eu vi 42Up e 49Up), em que um cineasta britânico (Michael Apted) vem entrevistando o mesmo grupo de pessoas a cada sete anos, desde que todos tinham 7 anos. O efeito é emocionante, pois por mais que a vida de cada um dos “personagens” seja diferente da dos outros e das nossas, a linha comum – somos todos humanos, com defeitos, qualidades, misérias e alegrias – une a narrativa e transborda da tela.

As pessoas entrevistadas em On Being são comuns, vivem aqui em DC, e falam de coisas prosaicas. Mas como de perto ninguém é normal, as entrevistas tomam rumos surpreendentes que enternecem, fazem rir e emocionam. Confira os vídeos mais recentes mas também o arquivo com os primeiros da série – ao todo são vinte entrevistas até agora, mais um episódio com outtakes. Não vou falar mais dos personagens porque estraga a surpresa. Digam o que acharam nos comentários.

Imperdível!

Ela lê no metrô: High Fidelity e Zorro

High Fidelity
Quem escreveu: Nick Hornby
Quando li: em novembro de 2006 (em inglês)
O livro: faz qualquer um parar para pensar nos dez piores términos de namoro das últimas duas décadas, e na arte de fazer fitas misturadas. O estilo de Hornby é engraçado e deprimente na medida exata e suas elocubrações sobre o que a gente pensa sobre os relacionamentos evolui (mas não muito) da adolescência até à beira dos trinta anos. Leitura obrigatória.
O filme: tem o gatinho John Cusack, a dinamarquesa Iben Hjejle, e a Catherine Zeta Jones. Engraçado que no livro Laura (a namorada) é morena, e Charlie (a gostosa) é loira – no filme é o contrário. A interpretação de Jack Black como o amigo maluco é perfeita, mas tanto ele quanto Laura têm mais dimensão no livro. Além disso, é interessante a discussão sobre satisfação e expectativa profissionais de Rob e Laura.

Zorro
Quem escreveu: Isabel Allende
Quando li: em dezembro de 2006 (em espanhol)
O livro: conta as origens do Zorro desde a infância, com doses de realismo fantástico. Tem romance, piratas, capa-e-espada, injustiças e muitas peripécias. Grande parte do livro se passa durante a infância do Zorro, e é a parte mais gostosa da história. Para quem gosta de gênese de heróis, é um prato cheio.
O filme: tem o Antonio Banderas e a Catherine Zeta Jones, além do Anthony Hopkins. Só compartilha o título com o livro, e é anterior em vários anos. A história é diferente, mas também tem um pedacinho de gênese. Faz muito tempo que não vejo, está na hora de rever…