Viagem

A estrada me leva para fora do tempo. Dentro do carro, a linha intermitente das faixas passando no chão, zum. Estrada, placas, viadutos, pontes, avenidas, luzes, tudo meio sempre igual. As diferenças sutis nos anúncios e prédios à margem me dizem que esta estrada não é as outras, mas poderia ser. De todos os lugares, para todos os lugares, o caminho é um pouco fora do tempo, e é ali que me vejo no entardecer triste de outono.

Já passou

Depois de muito tempo entendi a fascinação. A agressividade toda que é demonstrada pra mim eu uso como espelho. O que melhor do que achar uma pessoa que ao mesmo tempo dá atenção e é espelho? Esse era o encanto, agora o espelho estilhaçou. Um masoquismo sem fim, agora no fim. Acabou-se o mistério. Tem muitos furos no raciocínio. Como é que auto-conhecimento é uma coisa ruim? E companhia? As palavras vão ecoar por muito tempo ainda. O bom é que eco não amplifica: some.

Não-umbigo

Para dar uma pausa nos meus posts mensais sobre sempre o mesmo assunto, um comentário, com link até.
Sabem que a Amazon deu um jeito de vender até filantropia? Você vai e faz uma doação para uma das 10 instituições pré-selecionadas por eles. A instituição que ganhar mais dinheiro vai receber uma “doação-casada” da Amazon, dólar por dólar.
E não tem limite mínimo de doação, o que quer dizer que estudantes quebrados e duros também podem usar o sistema. Não é mesma?

Agora ou nunca.

Bateu agora a sensação de que escrevo hoje ou nunca mais.
Tenho visto, sentido, viajado.
50 dias, muitos aniversários ruins e bons, remédios para o corpo e a alma, ar fresco coisas novas.
Não dá para tirar um retrato de mim agora, embora se tente. Tenho espelhos novos. Olho pela janela.
I repeat, attention please, do not fool yourselves: I’ll keep being myself because I can’t be anybody else.
I’ll keep being myself not merely because I can’t be anybody else or something, but because I WANT MORE. (Macca)
Não quero nada menos do que o maravilhoso. (Naty)
É verão e há o que sempre houve.
O calor me afeta as entranhas, o calor me altera, está fazendo muito calor.
Um tal de limpar armário…
Saudade de casa e uma nostalgia sem fim. Do futuro até, como já expliquei. 50 dias atrás.
Conversa séria no fim de domingo – a vida é minha, até que enfim.
Praças, discos, cookie cutters, cookie monster, chapéu, retratos, telhado, avião, C.I.A., stoned, urubu, burunga, saudade.
Praia, janela, espelho, feijão tropeiro, dando bote, amada, the condition is good.
Coração se ficar guardado enferruja.
Parece que os sentidos entraram no caldeirão da bruxa para misturar, mas não é não, é a madrugada que desce sobre a pessoa.
Escrevo mais quando as palavras saírem a dançar baile na próxima vez.
Até lá.

achei uma tira de papel que diz:

Eu tenho um medo que vive em mim em forma de sorriso.
Eu tenho um sonho que não dorme.
Eu tenho a cadência mas não tenho ritmo.
Eu tenho nojo.
Eu tenho coceira de adivinhar o riso.
Eu tenho nostalgia de um futuro próximo.
Eu tenho fome que não se tempera.
Eu tenho frio de coisas passadas.

Aparição

Entre um dia de cão e o balaio de gato ainda vejo a bruxa. Ela me conta o que vê lá de cima, voando em sua vassoura, e diz que as cidades mais parecem mapas – se vêem esquinas e cada curva é de novo escolha. Completamente alheia à quântica e que tais, diz que uma observação não colapsa a onda.
A bruxa acredita na verdade, no toque, na elegância, no carinho, na história, na saudade, na lágrima furtiva nascida do vinho. Ela também acha que a felicidade espreita a cada passo, embora o suspense do pé no ar mais pareça um chute.
Ela faz questão do contato, e seu corpo grita Escher, a mão dentro do peito agarrando o pulsar, outra levantada aos cabelos, cabeça-coração. Intui e lhe basta, embora custe tanto aos outros compreender que assim é a vida.
Do caldeirão saem coisas, muita fumaça e muita bolha, superfície fervilhando. A gata preta teve que ter as urgências estirpadas, mas passa bem obrigada. O sangue jorra à terra em esguichos fortes. O perfume não é comprado, nasce de dentro.
Peço à bruxa que fique. Ela vai pensar no meu caso.

Sufoco

Sei que estou sumida, mas ando no sufoco. Só conto que das coisas ótimas e excitantes dos últimos tempos destacam-se o show, na quinta passada, do Ladysmith Black Mambazo, e a expectativa para o show de Zap Mama sábado que vem. Nem acredito que estou vendo os dois num tempo tão próximo. Tenho que escrever – urgente – pra Dona Malu Prates.

Tolerância

Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é muito pouco. Quando se tolera, apenas se concede e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas da qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância. (José Saramago, mas copiado do Livro da Tribo, 19.1.2001/2002)