Vai ser 94

Está fazendo um calor danado e não dá vontade de sair. Dá vontade de estar no Rio e ter dezesseis anos, quase dezessete, e ser final de novembro e já ter passado de ano em todas as matérias sem recuperação, e ser quase meu aniversário quase Natal e quase Ano Novo, e eu ter um biquíni novo e ir todo dia na barraca do Pelé, depois voltar pra casa tomar banho e comer a comida da Bel e botar meu vestido marrom que minha mãe depois jogou fora a meu contragosto e ir andar na rua com alguma amiga, depois voltar pra casa e ficar no meu quarto lendo Vinícius e sentindo o cheiro das flores de manga fora da janela e ficar tão feliz que me sinto compelida a rabiscar o espelho inteiro, ter um paquera qualquer que é louco por mim ou ter um namorado pra ir ao cinema e não ver o filme e ficar só beijando achando o máximo da transgressão, sair do cinema e ir tomar sorvete num buraco qualquer pra ficar junto um pouco mais antes da hora do pai bravo, e depois outro dia ir pra Guarapari ficar de bobeira no apartamento a tarde toda, ir à praia da Areia Preta no dia seguinte e constatar que é tudo igual ao ano passado, na verdade é tudo igual a 1978, só não é mais cool mas continuar gostando mesmo assim porque cresci indo lá e porque tenho uma amiga comigo com quem eu posso falar bobagens e olhar vitrines que só vendem, claro, biquínis, ir na feira hippie e comprar um colar de um senegalês que parece um bicho de seda, o colar, não o vendedor, depois voltar e ficar numa rodinha de violão achando tudo ótimo só porque o vento está soprando na direção certa e acalma a pele ardida, voltar em silêncio para o apartamento e ir dormir achando que o único problema na vida era pernilongo.