Dois mil e sete tropeços, dois mil e oito sorrisos.

Em 2007 eu tive saúde, amor, bom humor, não me faltou dinheiro, trabalhei, viajei, conheci uma porção de gente, simplifiquei a minha vida e me aproximei da minha família.
Por outro lado, os meus planos se bagunçaram todos e vários imprevistos aconteceram. O jeito como eu vivo agora não tem nada a ver como eu vivia há seis meses atrás e isso foi difícil de aceitar.

Eu cheguei onde estou há um mês, mais ou menos. Quer dizer, o avião me trouxe há três meses e meio, mas passei quase todo esse tempo com a cabeça revirada, achando tudo ruim, reclamando, coisas que definitivamente não combinam comigo. Aí aconteceu de um dia para o outro: minha alma chegou e entrou no meu corpo de novo. Recebi a visita de uma amiga querida, vi a cidade com outros olhos, conheci mais gente, fiz várias coisas que me situaram e me convenceram de que existe, sim, um cotidiano meu aqui.

Fim de ano tem clima de transição (que por aqui começa quando o primeiro gaiato diz feliz Natal e termina na quarta-feira de cinzas), então me sinto acompanhada na minha transição que começou em um verão e veio desaguar em outro.

Meus desejos são que as águas de março nos tragam a todos uma vida mais simples. Que as coisas realmente importantes se façam notar, que amigos sejam amigos e as pessoas se relacionem bem, que cada um encontre o seu espaço, que as distâncias possam ser encurtadas, que as pessoas se realizem com suas vidas profissionais, que todo mundo faça a sua parte para o tal mundo melhor de que tanto se fala e acima de tudo, sempre, que a gente seja feliz.

O problema é o regime que não dá satisfação.

Aí eu me lembro daquela menina que morava comigo. Dançarina, bailarina
da perna grossa, não se conformava com o próprio corpo. Olhava as
próprias coxas no espelho e resolvia fazer dieta.

Não dava outra. Final de tarde ela sentava na cozinha, abria a
geladeira e fazia um sanduíche. Terminava e dizia "não era bem isso
que eu queria… Tô com vontade de comer uma coisa e não sei o que
é…" Aí pegava um iogurte. "Ainda não é isso…"

E eu, que sempre contei essa história rindo e achando a garota uma
neurótica, estou me sentindo do mesmo jeito agora. Vou dar mais uma
olhadinha nessa geladeira.

My very own Ya-Ya Sister and my very own Rupert Everett.

A minha Ya-Ya Sister, também conhecida como "eu, há uns anos atrás", foi embora daqui ontem e eu já estou morrendo de saudades. Eu a conheci há uns quatro anos, quando ela entrou no meu laboratório se oferecendo como assistente. Se ela fosse inteligente como o currículo dizia, ia ser muito bom. Ela era isso e mais, virou amiga e logo estávamos conversando sobre coisas aleatórias ou nem tanto em meio a vidrinhos e tubos de ensaio. O trabalho terminou e continuamos amigas, mas não nos víamos tanto. Saímos umas poucas vezes em DC (nunca pra dançar) e a cumplicidade do lab se transferia para a mesa de bar facilmente. Ela sempre gostou da cultura brasileira, embora falasse só espanhol (e inglês e farsi), então quando eu disse que vinha ela se arvorou logo a comprar uma passagem, antes mesmo que eu chegasse aqui. A visita dela foi melhor do que todos os planos, e olha que ela fez milhares de planos. Apesar de eu estar trabalhando e não poder sair com ela durante o dia, a minha 'maninha' se deu super bem com a minha família e com os meus amigos (até demais: ela adorou minha irmã e eu descobri que o inglês de alguns amigos é bem melhor do que eu desconfiava). Entramos num ritmo que parecia um sleepover adolescente, dividíamos o mesmo computador ao mesmo tempo e fofocávamos até tarde antes de dormir. Saímos agora no fim da visita e voltamos tarde 3 noites seguidas – em uma dessas vezes surpreendemos meus pais já acordados e de saida. Lógico que agora estamos as duas (e quem mais conseguiu entrar no ritmo) ultra cansadas e cheias de trabalho para fazer, mas valeu a pena. Essa é uma amizade que nunca mais será a mesma.

Uma dessas saidas do fim de semana foi com um amigo que estudou comigo na sexta série. Justamente na época em que minha mãe começou a me deixar ter o cabelo comprido, aí pelos 12, 13 anos, eu tinha o cabelo enorme e às vezes prendia num rabo de cavalo bem apertado pra ficar bonitinho (sim, eu era cdf). Esse menino, que era um magricela beeem espevitado, vinha e puxava meu cabelo no alto da cabeça, bagunçando todo o penteado. Pensando nisso eu jurava que ele devia gostar de mim, só podia, nessa idade. Corta pra uns anos depois, o tal do orkútio faz a gente se encontrar de novo. As fotos do moço tooooodo musculoso já me deixaram curiosa para saber quem ele era e o que estava fazendo. As menções sobre a Madonna me deixaram, digamos, me rasgaaaando de curiosidade mais ainda. Ano passado encontrei com ele por acaso, na rua, sempre aquela história de "vamos sair, etc". Agora finalmente saímos, e fomos dançar. Primeiro: olhava para aquele homem alto e gato e ficava embasbacada, imagina o filme da Peggy Sue se ela vem de lá pra cá, sabe? Demorou um tempão pra eu sair do torpor – essa amizade nuunca mais será a mesma. E segundo: ele tem um senso de humor incrível e um veneno muito apurado, que combina com o meu. Voltei com um papel de guardanapo que anotei em cima do bar com a caneta emprestada do garçom: se a p&**$ do click não acontece, pelo menos a p&**$ da legenda não faz falta nenhuma. Duas piadas internas em uma. Estou doida para sair mais vezes com o meu Rupert Everett… Ah, se ele gostava de mim? Quando eu insinuei isso ele soltou um "eu devia estar muito confuso naquela época".

Um post que não vai a lugar nenhum

Viver em compasso de espera, tomar inventário de coisas, reler outros novembros. Acompanhar o tempo da cidade como se estivesse em um filme inglês. Fazer as listas infindáveis de fim de ano, tudo o que eu tenho que fazer. Cuidar daquele assunto pra Irina, terminar de ler Tieta, reformular o currículo, arranjar um emprego, fechar este aqui, ir ao médico, arrumar o computador, desligar a luz do outro apartamento, fazer o balanço financeiro, escrever a carta pra Azy, marcar o aniversário, convidar amigos um pouco desencontrados pra sair (tudo bem), ligar pra Denise, terminar de arrumar os livros.

Só a bailarina que não tem (nem a cantora)

Antes de ir para Ouro Preto fui ao Centro Cultural Carioca para ver a cantora Letícia Tuí.  Me dei conta de que quando vejo uma mulher com um vozeirão, sorridente-e-rebolante em cima de um palco, cantando sambas de outros tempos, fico achando que a cantora é como a bailarina da ciranda. Não tem problema com namorado, não tem pereba, não tem problema, é só aquilo ali, comandando o batatal desde sempre. Racionalmente sei que não é assim, mas essa é a minha fantasia de criança, como meninos sonham com caubóis e astronautas eu tenho as cantoras como heroínas.

Em Ouro Preto, no último dia da convenção, veio a banda Tamba Tajá, só de mulheres, com um repertório maravilhoso. Teve argentino sambando no pé e paraguaia achando que era brasileira. Aliás, a percussionista da banda é uma argentina que mora no Brasil há seis anos e já não fala mais espanhol, muito linda também.

Agora dá licença que eu vou ali ao único palco que me aceita – o chuveiro. Aaaaaando meio desligaaaaaadooooo…

Yo vengo a ofrecer mi corazón

¿Quién dijo que todo está perdido?
yo vengo a ofrecer mi corazón.
tanta sangre que se llevó el río,
yo vengo a ofrecer mi corazón.

No será tan facil, ya sé que pasa.
no será tan simple como pensaba.
como abrir el pecho y sacar el alma…

Cara na porta

Pois é, aconteceu. Se eu estava precisando de um desentupimento de karma, pode muito bem ter sido isso: dei literalmente com a cara na porta. Os detalhes não interessam muito mas envolvem um dia de trabalho, uma noite de mau humor, uma conexão wireless intermitente e um corredor escuro no fim do qual estava a tal porta fechada que encontrou meu nariz a toda velocidade. O susto e a dor foram um maior que o outro, o nariz latejou por mais uma hora pelo menos. Fora o perigo de ter trocado de personalidade com a porta durante a trombada, fiquei também preocupada em encontrar um significado cósmico para a coisa toda.