Juízo #6: tempus fugit, simplicidade e memória

Tempus fugit

Na última internação, minha mãe percebeu antes da gente o que estava acontecendo e falou meio que pensando alto: “passou muito rápido!”. Eu não percebi a tempo o que estava acontecendo, a tempo de perguntar mais coisa, a tempo de ser uma filha mais carinhosa, a tempo de colocar uma música pra tocar naqueles últimos dias mais sofridos. (Tantos arrependimentos que não dá nem pra contar.)

Como sempre, ela tinha razão. Minha última newsletter foi sobre a partida dela, eu pisquei e já se passaram dois anos. Cá estamos novamente — “depois” do luto, eu diria, se achasse que o luto tem um depois. Mas esta newsletter (boletim, né? em brasileiro) não é exatamente sobre isso.

Simplicidade

Em 2003, eu morava nos EUA e uma amiga me emprestou o livro “Simplify Your Life: 100 Ways to Slow Down and Enjoy the Things That Really Matter”, da Elaine St-James. O tema da simplicidade vem e vai e se recicla com a época, e aparece especialmente seguindo grandes crises financeiras. Esse livro era pós crise de 98 e pós bolha da internet, então a autora falava coisas inaplicáveis do tipo “venda o seu barco”, mas ao mesmo tempo tinha um monte de coisas que me fizeram entender que dá pra fazer diferente, e esse foi o gancho que me pegou. Desde então, eu comecei a questionar por que a gente faz as coisas que faz e entrei numa sanha de simplificar tudo, desde a minha casa até as minhas rotinas de beleza. E cá estou, 22 anos e dezenas de “livros de simplicidade” depois.

É difícil falar sobre simplicidade se não estabelecemos o que é isso, exatamente, para quem está ouvindo. Cada roupagem nova ganha um nome: simplicidade voluntária, minimalismo, essencialismo, frugality (em inglês, porque em português ‘frugal’ tem outro significado), decluttering (também em inglês porque ‘destralhamento’ ninguém merece). Aqui no Brasil, o movimento não pega tanto porque é muito necessário provar que é um movimento voluntário e não falta de grana (tô sendo sarcástica, me aturem). Também tem havido uma resistência nos últimos tempos porque muita gente — praticante ou não dos paranauês — confunde o minimalismo “sem supérfluos” com o minimalismo estético. Um sofá branco caríssimo vai ser simplicidade dependendo do que a pessoa quer dizer com “simples”.

Para mim, a simplicidade é um conjunto de hábitos e regras pessoais relacionados principalmente (mas não apenas) ao consumo de produtos e serviços. É uma grande equação em que cada pessoa decide o que minimizar — as complicações em termos de tempo e energia mental, o impacto ambiental, o desperdício de dinheiro, a ostentação — e o que maximizar — a beleza, o conforto, a função, a autossuficiência, a espiritualidade, os relacionamentos. Eu comecei essa jornada com uma preocupação com o meio ambiente, mas hoje tem mais a ver com economizar tempo, fugir da ostentação, e uma preocupação com o acúmulo de objetos, já que sou uma bagunceira de marca maior. Eu já fiz até uma listinha no google docs dos meus “filtros pessoais”, só por diversão, listando esses hábitos e regras. Não vou linkar aqui, mas pode me pedir que eu te mando!

Uma foto de um apartamento, ao fundo está uma grande janela. Eu estou sentada na cama, conversando com um cara (Edney Silvestre) que está ao lado do armário. Do lado direito, ao lado do armário, aparece uma estante. Do lado esquerdo, uma parede amarela e dois bambolês.

Por conta desse lance da simplicidade, eu apareci na tevê 3 vezes: em 2013 na GNT (6:10-8:50, 14:10-16:30), em 2015 no Globo Repórter (4:40-8:50), e em 2017 no programa da Fátima Bernardes – na verdade esse era sobre não ter filhos e foi meio ruim, mas em última instância tem a ver com simplicidade sim. Também apareci no Estado de Minas em 2014, escrevi algumas vezes sobre o assunto no meu blog e fiz uma thread no mastodon que pensando bem poderia virar um post. Algumas das aparições televisivas foram por indicação do Alex Castro, um simplão convicto que também curte desafiar dogmas.

Hoje, vários dos meus hábitos “estranhos” viraram lugar-comum. Não ter tevê, por exemplo, ou querer ter um guarda-roupa cápsula, são coisas que viraram mainstream e não são mais tão dignos de nota. Além disso, agora eu moro com o Miguel, num apartamento com mais espaço, mais gatos, mais armários e muitos objetos que vieram do apartamento da minha mãe — meu pai se mudou e a gente teve que desfazer 50 anos de casa. As coisas não têm mais tanta cara de “minimalismo”, mas continuamos não tendo tevê (uma das melhores decisões da minha vida), e fazemos um esforço constante para controlar o fluxo interminável de coisas que passam por um lar.

Memória

As pessoas se surpreendem porque eu sou supostamente ‘simples’ mas guardo todas as redações de colégio, a blusa da minha mãe, o barbeador do meu avô e os livros de receita da minha avó. É que na minha família, memória é um troço muito importante. Muito importante mesmo. No entanto, o que eu tenho aprendido é que a gente tem que se dar o direito de deslembrar. Esquecer o que não foi tão legal assim, ou entender que as memórias da minha mãe não são as minhas. Fazer lugar para novas memórias. E saber que, no fim das contas, minhas memórias também não vão estar impregnadas nas minhas coisas quando eu me for. Sobre isso, tem o livro “O que deixamos para trás: a arte sueca do minimalismo e do desapego”, que em inglês tem o singelo nome de “The Gentle Art of Swedish Death Cleaning”. É escrito por uma senhorinha engraçada, super rápido de ler. Não tão rápido de assimilar e botar em prática.

Resumindo, é como dizia um meme fofo da internet. Você é o que você espalha, e não o que você junta.

Desenho fofo de uma garotinha com cabeça de morango e os dizeres "você é o que você espalha e não o que você junta!".

Os dois primeiros temas deste Juízo foram escolhidos por votação lá no Instagram. E você? O que me conta? Não guarde nada.

Sério – para falar comigo, responda a este e-mail. Adoro conversar sobre simplicidade e quetais.

(Este post foi produzido para o Substack, mas eu sou ansiosa e publiquei aqui — na minha própria plataforma! — primeiro.)

Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé

“Mas me diz uma coisa… Você já foi muito rica?”

Eu ia participar de uma matéria sobre simplicidade e a produtora (uma simpatia, é minha amiga nas redes sociais) me fez essa pergunta entre as primeiras.

Porque para essas matérias serem interessantes tem que mostrar radicalismo ou provar que não é falta de escolha – como seria para muitos. A simplicidade do pobre e do estudante não vale. Na ressaca dos movimentos de minimalismo e, depois, Marie Kondo, tem até muita gente dizendo que isso de simplicidade é elitismo. Como dizia o Joãosinho Trinta: quem gosta de pobreza é intelectual, pobre gosta é de luxo!

Eu concordo e discordo.

Concordo que a simplicidade não é tão pronta como eu mesma às vezes dou a entender. Se eu jogo fora o que não uso é porque garanto que no futuro tenho como comprar de novo. Se eu doo algo, é porque me desapetece o tempo gasto em vender, e abro mão de recuperar o dinheiro que meu eu passado gastou ali.

Mas por outro lado, por que não incentivar um novo modelo de consumo, de estética mesmo, que não o do excesso? Não é assim que as modas pegam? Tudo que é “coisa de rico” uma hora chega reinterpretado, não?

Simplicidade meio-termo, simplicidade nisso sim naquilo não, minimalismo sem “largar tudo para”, minimalismo do “sempre fui assim”, simplicidade escolhida. Tá tendo. Pode. Pode tudo! #tãosimples.

Tudo que a antena captar meu coração captura

“Você não tem TV? Pra onde estão voltados seus móveis? Pra onde você olha? O que você faz de noite?”

Quando deixei de ter TV, em março de 2006 (#alokadasdatas), as pessoas olhavam pra mim como se eu fosse um ET, como se eu não tivesse geladeira. Algumas coisas mudaram: hoje é bem mais comum não ter um aparelho de TV em casa e eles são menos trambolhosos (minha última TV era de tubo). Muitas pessoas fazem questão de frisar: “só uso pra jogar e ver Netflix!”. Morando em apartamento pequeno, a coisa dos móveis serem voltados para um “altarzinho” é o que mais me incomodaria, além dos fios e parafernálias que inevitavelmente vêm junto. Por enquanto acho que vou continuar assistindo série no laptop mesmo…

Mais um artigo sobre uma montoeira de coisas.

Será que os americanos estão comprando muito? Esta é a pergunta idiota do dia, feita pelo The Guardian.

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Mas se a pergunta é boba, por que não nos questionamos ainda aqui no Brasil?

Lá pras tantas o texto da matéria diz que (tô parafraseando) quando você compra coisas novas, o custo não é só grana. Custa dinheiro, custa o tempo que você levou pra ganhar esse dinheiro, custa espaço na sua casa, e custa o tempo de limpar e manter tudo. E custa planeta, sim sinhô e sim sinhóra. Além, claro, de um stress danado quando você olha prum armário cheio e não tem nada pra vestir.

Tá sobrando cacareco. A solução é menos. #tãosimples

A pequena casa dos sonhos

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treehugger.com/green-architecture/your-tiny-dream-home.html

Postei estes dias lá na Grande Rede Social uma notícia de 3 anos atrás sobre o concurso de design para os micro-apartamentos de NY. A planta que aparece na notícia é bem parecida com a do meu apartamento e é exatamente do mesmo tamanho.

“As pessoas estão sacando que morar em lugares pequenos é uma escolha, não é um castigo. As pessoas querem tamanhos gerenciáveis, que requerem manutenção mínima, com consumo de energia decente e aluguel razoável.

Todo mundo quer morar num refúgio de paz, não numa fonte de stress. Todo mundo quer casas que fazem sentido financeiramente, em relação ao meio ambiente, e de acordo com o bom e velho bom-senso.

Este movimento trazer um futuro em que as nossas casas vão apoiar nossas vidas, em vez de simplesmente ter uma vida que sustente nossas casas.”

Mas que nada

“Largou tudo para…” é uma frase bem clichê que é muito usada no jornalismo em três tipos de história: quando a pessoa resolve viver uma vida simples, quando vai trabalhar no terceiro setor, e quando decide colocar um relacionamento à frente da carreira.

Parece até que as situações anteriores (“contrárias”?) são *o certo*, *a realidade* e são vividas absolutamente sem renúncias e sacrifícios.

Nas matérias sobre vida simples, tem que enfatizar bem o “estilo de vida abastado” a que a pessoa renunciou, que é pra provar por A+B que é escolha mesmo, senão é só pobreza. “Juro, gente, ele é rico, mas escolheu viver como pobre, olha aí.”

Estou esperando ver no jornal a história de Marisa Pereira, que vivia num apartamento de dois quartos, dava aula em um projeto social e era feliz com seu marido, e “largou tudo para” trabalhar numa multinacional. Já pensou?

Ou, como disse o Marcos:

“Fulano de Tal, até dois anos atrás um bem-sucedido artesão em palha e cultivador de jilós de Conceição da Serra, largou tudo para se tornar executivo de multinacional em São Paulo. ‘Perdi em saúde e qualidade de vida, mas agora ganho muito dinheiro. Para mim, valeu a pena’, garante o ex-capiau”.

(Esse negócio de dar importância às palavras é um horror, tenho que parar com isso.)

Com que roupa eu vou?

Dizer que eu não ligo para moda é um understatement. Estou usando jeans e camiseta desde que me entendo por gente, com uma breve incursão pelas saias indianas na época da faculdade e, antes disso, uma estranha mania por coletes no início dos anos 90.

Ultimamente tenho tentado ficar um pouco menos preconceituosa, afinal, o mundo da moda é uma indústria enorme e que tem seus próprios meandros e méritos, como aprendi naquele discurso da Meryl Streep em O Diabo Veste Prada.

Mesmo assim, com a coisa de simplificar a vida, tenho pensado muito em um guarda-roupa minimalista. Eu acho de verdade que se eu tivesse ainda menos roupas minha vida seria mais fácil. Fui pesquisar e descobri que não estou só. Aqui vai uma lista de alguns conceitos e projetos que me chamaram a atenção.

Capsule wardrobe

O conceito veio da Susie Faux, dona da loja londrina Wardrobe, nos anos 70. Em 85, Donna Karan retomou a ideia com uma coleção chamada “7 easy pieces”. Nessa coleção, as modelos usavam collants pretos e leggings sobre os quais iam sobrepondo as outras peças. Desde então, outras marcas têm lançado mini-coleções em que todas as roupas combinam entre si.

Uniform Project

The Uniform Project
The Uniform Project

A designer Sheena Matheiken decidiu, como um desafio de criatividade e sustentabilidade, usar só um vestido por 365 dias. Na verdade era mais de um vestido (porque ela precisava lavar), o vestido era muito versátil e ela tinha muitos acessórios, possibilitando inúmeras combinações. Ela fotografou todos os looks e convidou os leitores do blog a doar dinheiro e acessórios que depois foram revertidos em prol de uma instituição beneficente indiana. Ela falou no TEDxDubai sobre o projeto, que estreou em 2009.

Project 333

Este projeto nasceu como um post despretensioso num blog e acabou de fazer 3 anos agora em outubro. A Courtney Carver tinha um blog de simplicidade e se propôs a vestir apenas 33 peças por 3 meses – ela vai renovando o guarda-roupa ao longo do ano. Esses 33 itens incluem roupas, acessórios, joias, agasalhos e sapatos. Não contam: joias tipo aliança ou algo que você nunca tira, lingerie, camisolas, roupa de ficar em casa e roupa de exercícios (mas só vale pra fazer exercício). Todo o resto deve ser guardado fora de alcance.

O bacana do 333 é que ele é muito aberto, cada um pode tentar ao seu jeito e modificar um pouco as regras.

Six items or less

Tamsin Davies do Six Items or Less

Este projeto começou com as loiríssimas Heidi Hackemer e Tamsi Davies. O site delas já saiu do ar, mas o link acima leva para um vídeo de uma matéria do NYTimes. Pelo que eu entendi o site tinha uma pegada colaborativa, onde as pessoas podiam criar usuários e ir blogando sobre a experiência. A regra era: seis roupas por um mês, sem contar sapatos, lingerie e acessórios. Podia ter roupas repetidas para lavar, mas tinham que ser do mesmo modelo e cor das outras, senão contavam como peças extra.

Segundo a Heidi, os motivos para as pessoas embarcarem no projeto eram dos mais variados, desde anti-consumismo e controle de despesas até desafios criativos e o eu-não-ligo-para-moda. Ela menciona no vídeo que ficou chocada de as pessoas não perceberem que ela estava vestindo as mesmas roupas de novo e de novo.

Six items challenge

Parece inspiradíssimo no projeto Six Items or Less, mas com uma pegada muito mais religiosa-ativista focada em compaixão e justiça social. Quem comanda o site é uma organização inglesa sem fins lucrativos, e o projeto funciona em épocas específicas: o próximo desafio está marcado para a quaresma de 2014. Como é um blog colaborativo, tem de tudo, as fotos não são tão bacanas quanto as dos outros projetos, e algumas pessoas não parecem tão ligadas em moda. Para cada participante, há uma página de doações para a ONG, que milita pelos direitos dos trabalhadores da indústria têxtil.

Ten item wardrobe

A Jennifer Scott é autora de uma coluna no Huffington Post, um blog e um livro onde ela conta a história de como ela aprendeu a ser chique em Paris. Ela foi para lá adolescente para um intercâmbio, e na casa onde ficou o armário era infinitamente menor que a quantidade de roupas que tinha levado.

Ela seleciona 10 peças por estação – sapatos e casacos pesados não contam. A filosofia da Jennifer – aprendida da Mme Chic – é que tem que estar sempre arrumadinha, não importando se é pra ir na esquina ou ficar em casa. Se você tiver só suas peças favoritas, vai estar sempre bem vestida.

Dos blogs brasileiros que eu achei parecidos com esses projetos, se destacam o Um ano sem Zara e o Oficina de Estilo. O primeiro foi um esforço da blogueira para chegar na conta bancária “em azul” por não comprar roupas por um ano. O segundo é de consultoras de moda que acreditam no lema “menos é mais”.

E falando em menos, tem o blog menos da Claudia Regina que, mesmo rejeitando o adjetivo “minimalista”, vive com um guarda-roupa ínfimo – e esse eu vi em primeira mão!

É claro que quem se dispõe a participar num desses desafios sabe onde o calo aperta. Tem gente que trabalha em casa e não precisa mesmo de tanta roupa, tem gente que mora em lugar quente e teria que botar a lavanderia para funcionar a full, tem quem realmente não consegue ficar sem mil opções. De qualquer maneira, é interessante observar que ter tudo ao mesmo tempo agora não precisa ser o padrão.

Se até o Obama conseguiu simplificar, quem não consegue?

Um belo dia eu resolvi mudar

caixa

Há quanto tempo você não muda? Empacota tudo, endereço novo, casa nova, caixas, caminhão, desempacota tudo, reorganiza… Todo mundo gosta de uma casa nova, da sensação de começar do zero e ter tudo arrumado, mas ninguém gosta da parte braçal da mudança. É por isso que, quanto mais móvel uma pessoa é, menos móveis ela tem – vide “estudante universitário” versus “casa da vovó”. Além disso, à medida que as circunstâncias de vida vão mudando, os objetos vão ficando para trás, por isso a casa da vovó às vezes guarda uns tantos livros universitários de priscas eras.

E se você tivesse que se mudar hoje, o que levaria? Sonhe sua casa nova, ou faça de conta que acabou de mudar para onde mora agora. Pergunte-se se os objetos à sua volta são úteis, bonitos e/ou lhe trazem lembranças agradáveis. Eles devem ter pelo menos uma dessas qualidades, se não mais! Quais objetos merecem o caminho de serem embrulhados, o suor de quem carrega as caixas, espaço no caminhão e um cantinho na sua casa nova imaginária?

O resto pode ser doado, reciclado, descartado. Olhe o fundo dos armários. Lembre-se de quem precisa mais. Se quiser lembrar de objetos queridos mas que já não merecem seu espaço, tire uma foto. E se a preguiça ou a falta de tempo falarem mais alto, lembre-se de que pelo menos nesse faz-de-conta não é preciso carregar nada!

O futuro não é mais como era antigamente

De tudo o que li em 2011, o que mais me agradou foram os artigos que indicam as tendências para a vida no futuro, principalmente nos grandes centros urbanos. É sempre bom ver a própria utopia se transformando em mainstream. E, falando em utopia, foi o sonho nem tão curto assim dos occupiers deste ano que colocou em pauta uma transformação que já não pode ser ignorada.

Então eu, que já achava o crescimento desordenado e a ditadura do mercado coisas pra lá de cafonas, me arvoro a fazer minhas próprias previsões. Futurologia. Posso?

Para começar, o futuro é local. A ideia é morar, trabalhar, estudar, comprar e fazer amigos tudo no mesmo quadrado. Menos engarrafamentos, mais tempo para família e lazer e mais senso de comunidade proporcionarão uma melhora sensível na qualidade de vida de quem seguir essa tendência. Além disso, o apoio à economia local e a mudança dos meios de transporte – dispensando muitas vezes o uso de carro e incentivando caminhada, bicicletas e transporte público, nessa ordem – trarão benefícios à comunidade, à saúde e ao meio ambiente.

O futuro também é pequenininho. Todo esse esforço de localização pode sair muito caro, portanto nada de muita metragem nas casas e apartamentos. Além disso, se há atividades e amigos por perto, não é necessário ter uma casa do tipo “meu lar, meu castelo”. Isso acarreta economia de energia e outros recursos, mas também faz com que o acúmulo de bens materiais (dois cortadores de grama, três aspiradores de pó, um vestido de noiva) fique mais difícil. Uncluttering também está na moda. Não sacou? Uncluttering: “desbadulaquização”. Tudo isso faz com que sobre mais tempo para viver. É um círculo virtuoso.

A outra palavra de ordem é resiliência. Ainda que seja assim, muito de leve, de brincadeira, as pessoas estão acumulando habilidades que as fazem menos dependentes da máquina externa. Quem duvidar pode conferir os novos blogs de artesanato (crafting), jardinagem e hortas, e todo tipo de atividades faça-você-mesmo. Agricultura urbana definitivamente é o futuro. Você ainda vai comer muita salada de varanda.

E o melhor por último: consumo colaborativo. Produtos serão gradualmente substituídos por serviços e parcerias. A internet está aí para facilitar a conexão de pessoas de um mesmo CEP com os mesmos interesses. Isso vai aquecer o mercado de usados, o aluguel de equipamentos grandes e até carros entre pares, o compartilhamento de serviços (de creches a painéis solares), e a troca de conhecimento em comunidades próximas.

Eu quero estar lá para ver tudo isso. E você?

http://vimeo.com/26573848

(Vale a pena ver de novo!)

Outras leituras:

E o mundo fosse nosso outra vez

O rock nasceu para ser revolucionário numa época em que a juventude do mundo todo estava demonstrando suas inquietações políticas em manifestações públicas. No Brasil, a Bossa Nova e a Jovem Guarda simbolizavam o conformismo e apenas apareciam as primeiras guitarras elétricas. Vaias nos festivais eram o sinal de que o público queria menos “A Banda” e mais “Roda Viva”.

Mais de 40 anos depois, cá estamos num Brasil sem ditadura, em que a nova classe média ganhou poder de compra e faz uso dele, a velha classe média pendurada compra para não ficar atrás, e ficamos todos mais ou menos na mesma. A ignorância disfarçada de pessimismo inteligente faz com que as pessoas prefiram dizer que ‘político é tudo ladrão’ do que correr atrás de votar certo ou de vigiar o que os seus eleitos estão fazendo. Uma certa fadiga quanto ao discurso ambiental cega as pessoas para as possibilidades de iniciativa individual, e isso junto com a necessidade de demonstração de status resulta em cada vez mais carros, cada vez mais gadgets, cada vez mais bens materiais.

Essa curva de comportamento segue direitinho o roteiro de um país “em desenvolvimento”, nos moldes dos booms econômicos de além-fronteira. Só que agora o refrão “la crisis, la crisis” é deles, e as manifestações vêm de todos os lados. Fácil dizer que era no Egito que a coisa estava preta: Espanha e Grécia são mais perto do nosso imaginário e agora é Wall Street, o pedaço do touro, que está ocupada há duas semanas. Duas semanas de gente gritando, de gente colocando num mural quanto deve, gente que está perdendo emprego e casa protestando contra o domínio das grandes corporações sobre a vida deles. Nenhum jornal por mais de dez dias, até este sábado quando 500 manifestantes foram presos sobre a ponte do Brooklyn.

Enquanto isso, a música do “se a vida começasse agora e o mundo fosse nosso de vez” toca na televisão, o Rock in Rio é o principal assunto, e estamos todos voltados para a tela, sem um pingo de revolta no coração. A não ser, é claro, que consideremos o axé a maior ameaça ao bem-estar mundial.

http://www.youtube.com/watch?v=HRFw5u5wR4c

A série de tuites do @dj_spark que inspirou este post:

Tomaram a ponte do Brooklyn… Cês tão ligados que tá tudo ligado (Egito, Espanha, Grécia, etc) e estamos no meio de uma revolta, né?
Que isso deve mudar o papel das corporações, que talvez mude o fluxo do dinheiro, que se criem novos modos de vida, com outros enfoques?
Que tem gente para caralho de saco cheio de só se foder (e não vai ficar só reclamando no twitter).
O primeiro destaque do Globo foi quando prenderam 500 pessoas ontem. Antes disso, 2 semanas de protestos OCUPANDO Wall St. e nada no jornal.
E que estamos desdenhando isso daqui do nosso pais-zão, pq estamos bem, tranquilos, todo mundo enchendo a pança, pagando 700 reais pra show.