Tem poli no samba

Adivinhe coração.
Custódio Mesquita/Evaldo Ruy
Gravado por Marcos Sacramento em "Sacramentos".

Adivinhe coração
A quem é que estou amando
De quem é que estou gostando
Por quem é que estou sofrendo

Adivinhe coração
Adivinhes se és capaz
que a saudade não me deixa
Vê se atende a minha queixa
que eu não posso mais

Não é possível ter amores aos milhões
Era preciso que eu tivesse outros tantos corações
Porque um só não é capaz de abrigar tantos afetos
Amo tanto a tanta gente
Tenho tantos prediletos…

O que há de bom

Coisas bonitas guardadas na memória.

– A tempestade de raios sobre o mar de Guarapari, vista da janela do minúsculo apartamento.
– O casal estudantes de música meio hippies cantando “Marinheiro Só” em frente à faculdade.
– O meu vestidinho marrom que minha mãe insistiu em jogar fora porque não agüentava mais ver.
– O saxofonista no bar tocando abraçado à esposa parecida com a Sônia Braga.
– O sol da tarde entrando pela janela do apartamento da Mariana.
– O cheiro de flor de manga na janela do meu apartamento.
– O reflexo da chama do isqueiro no metal no escuro.
– O arranjo de frutas na mesa de Natal.
– Meu avô dançando valsa comigo no sofá da sala.
– Os adolescentes no ônibus em polvorosa ao ver uma noiva.

Entre tantas outras.


Eu não ligo para os ursinhos polares.


É isso. Dia da Terra e eu não consigo pensar na Terra de que todo mundo fala, dos documentários longínqüos da National Geographic, dos viajantes de quem tenho inveja e dos ursos polares.

Quando penso em meio-ambiente me encantam mais as questões cotidianas dos mais de 50% da população mundial que vivem em cidades, como eu. A minha vida ideal numa cidade inclui transporte público eficiente, moradia para todos, um sistema de distribuição de água e tratamento de esgoto eficiente e sustentável, coleta de lixo regular e aterros sanitários bem administrados, uma cidade limpa em todos os sentidos – sem poluição visual e sonora, além das óbvias.

Principalmente, é necessário que cidadãos conscientes façam a sua parte, levando uma vida simples, agindo e interagindo para que todos tenham uma vida melhor.

– Compre menos coisas. Muito menos.
– Desligue a televisão. Não preste atenção nos anúncios. Vá fazer outra coisa.
– Tire o ar-condicionado do modo “geleira”.
– Economize água.
– Dirija menos. Ande, pegue o metrô ou o ônibus, use sua bicicleta ou divirta-se mais perto.
– Brigue com o descartável. Use sua canequinha.
– Discuta. Reclame. Exponha sua opinião.
Calcule sua pegada ecológica.

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Noveau Cariocaise

Sabemos que as línguas evoluem, que gírias supimpas ficam velhas, que ter um affair com deliciosos rendezvous na garçonière ficou demodé há muito tempo. Um amigo me avisou que isso seria um problema, que quando eu voltasse ao Rio não entenderia nada, que ele mesmo ria e assentia com a cabeça quando os papos viravam para vocábulos ininteligíveis.

É o meu caso agora. Desde quando se tem “preguiça de alguém”? “Formou?” “Partiu?” “Acho digno”, “acho chique”. “Eu sou brasileira, não desisto nunca!” “Peguete” e “periguete”. “Carão” e “climão”.

E como “quem tem amigos não passa mal” (essa é velha), eu sempre descubro o que essas coisas significam cochichando com a pessoa ao lado discretamente. E assim vamos vivendo, à custa de muitas palavras…


Saí por aí um dia com uma bolsa grande cheia de palavras. Eram de todos os tamanhos, desde os menores suspiros e gemidos de duas letras até big words e longas reflexões. Vinham todas emaranhadas, se agitavam pesando enquanto eu andava, até que resolveram flutuar sobre minha cabeça qual fumaça de trem, faziam redemoinhos, eu andava mais rápido e aí era a cabeleira de Berenice (ou Clarice?). Os pombos da praça e as estátuas mesmo paravam a prestar atenção na mulher cujas palavras até faziam vento nas folhas. Parei perto do metrô num subsolo para tomar um café e elas se aquietaram um pouco ao encontrar o teto. Não por muito tempo. Quando sentei se moviam junto à pequena mesa como cães malcriados e eu já exasperada porque as mesmas benditas que tanto frisson faziam não me acudiam à boca nem para conversa pequena, deixando meus olhos sós sem substância a ser adivinhada. A mesa quase virava com o guaraná e o café e elas finalmente dormiram a meus pés aninhadas feito agora cão guia perfeitamente adestrado, não me toquem, estou a trabalho. Fiquei um pouco mais ali, colhi palavras novas, fiz um novelo, botei de volta na bolsa. Vim pelo metrô em paz e agora tenho um pequeno cachecol.

Da janela vejo o Corcovado…


Foto: djivanlp

As janelas alheias têm algo que me encanta deveras. Um Cristo
fantasmagórico faz-que sobe o monte onde está plantado e abençoa
não só os meus seis meses de Rio mas também todas as estrepolias, o
vinho, o papo entre amigos e o cordeiro divino do almoço de aleluias.
Sempre foi assim. Outros apartamentos me transferem a outras vidas e
dimensões. Me agrada escapar às vezes.

Valsa de uma cidade

Depois do último post várias pessoas me vieram contar sobre sua relação com o Rio. Eu, por minha vez, descobri que minhas casas são mesmo as pessoas. Esta é a primeira vez que me mudo sem ser à moda caramujo. Por pudores de falar sobre tais casas onde me aninho e colos onde faço morada – assunto para quando tiver mais coragem e idéias organizadas sobre salas de estar, cozinhas e sobre correr nua por corredores – vou falando dos lugares por onde passo e descrevendo as descobertas de meu namorinho com o Rio.

Hoje a aventura foi sair pelo Centro em busca de amarras invisíveis (fios de nylon, para os menos poéticos). Surpreendentemente achei meus caminhos auxiliada pelas instruções de jornaleiros e do senhorinho simpático da Papelaria Charme do Castelo. Cheguei ao destino e o rádio da Casa Cruz anunciava com a voz da Bethânia “…então tá tudo dito e é tão bonito e eu acredito num claro futuro…”. Ultimamente até as cartas de tarô debocham de mim, por que não o rádio?

Achei o que procurava. Voltei feliz e encontrada, adivinhando nas esquinas, ruelas e portas de lojas um Rio intrincado, bonito, misterioso, contraditório e apaixonável, de que posso usufruir com calma sem necessariamente me dispor a comprar a escritura de um comércio na rua da Alfândega. Tudo o que eu queria.

Esta é a nossa casa

Não importa quantas vezes eu retorne, o Rio sempre me trata como uma estranha. Andar na praia evidencia especialmente essa má-vontade por parte dele. Não tenho a beleza morena das garotas do Leblon, o dinheiro em férias dos gringos em Copacabana, nem a alegria domingueira dos que vêm do subúrbio. Hoje, por exemplo, o mar rugiu impropérios e a areia tinha conchas quebradas e moscas que se levantavam ao meu passo, enquanto as nuvens conspiravam uma chuva de anoitecer. Só me restou comprar um côco ao quiosqueiro mal-humorado e pegar o ônibus de volta ao bairro das calçadas que pisei mais de mil vezes.

Em se tratando de bares, claro, a coisa muda de figura. Satisfação quase garantida, ainda mais quando se tratam de pessoas dispostas e jogar conversa fora. Calha às vezes de me sentir de novo figura agregadora: sexta passada, 14 gentes, todas brotadas da internet mas uma só que ainda não conhecia ao vivo e em cor. Risadas, fotos a la orkut (agora fazendo biquinho!) e a promessa de novos encontros. Com poucas cervejas já falo pequenas bobagens de que me arrependo um pouco, mas nada de ressacas morais ou hepáticas, já não estou na época. Existe vício em contato social?

O Rio me nega aconchego em suas praias, mas em seus botecos "ele me abre seus braços e a gente faz um país"…

Das três, quatro.

Das duas, uma: foi decisão ou foi distração. Se foi distração – o menos provável – foi bom mesmo ter acontecido. Não estou disposta a pessoas distraídas, desses já tenho lá em casa. E se foi decisão só me resta acatar o seu livre arbítrio. Em todo caso: decepção.