Reconvexo

Anteontem me ligou um amigo que sabe tudo de MPB. É pesquisador musical, jornalista, escritor, aquela história toda. “Gata, já viu algum show da Maria Bethânia?” Ele explicou que tinha um convite para eu ir a um show com ele no dia seguinte, aqui no MAM. Juntem-se a minha distração crônica e o choque de ser convidada, não ouvi mais nada além do lugar e do horário. “Não se atrase!”.

Ontem ele ligou dizendo que antes do show ia ter um coquetel. Então tá. Apareci lá uns 15 minutos antes da hora marcada por ele. Estava friozinho e fui com meu figurino usual: jeans, camiseta (incrementei com uma camisa super longa por cima), botas, minha bolsa de todo dia. Enquanto esperava o Rodrigo vi que havia mulheres super arrumadas e homens de terno. “Geeeente, esse povo se arruma assim para um show?” Peguei o celular e coloquei um comentário no twitter alusivo ao meu trauma de ter um estilo totalmente largado de me vestir.

Ele chegou e entramos. Depois de uns minutos caiu a ficha: o show era da Bethania mesmo, mas a ocasião era o Prêmio Shell. Ela foi a ganhadora do prêmio, ao mesmo tempo homenageada e atração. Achando divertida a minha descoberta tardia, twittei.

E foi aí que eu entrei num frenesi de “eu vou transmitir esse negócio em tempo real”. Mandei várias atualizações sobre a apresentação pela Renata Sorrah, o discurso de agradecimento, e o show em si, passando trechos das músicas que ela cantava e confundindo alguns twitteiros. Tive que guardar o celular quando o Rodrigo estava prestes a me bater, mas fiquei impressionada do barato que me deu estar divulgando uma coisa ao vivo pros amigos. Meu celular é tosco, então não consegui colocar tags direitinho, nem responder a todo mundo que falou comigo.

Será que tenho alma de jornalista? Será que foi culpa do prosecco? Será que sou nerd e anti-social? Provavelmente todas as anteriores. O artigo da Folha de São Paulo saiu com várias informações que eu tinha divulgado (roupa, discursos, esquecimento da letra de uma das canções). O prosecco ajudou no sentimento de ser toda-poderosa, provavelmente uma taça antes de pegar o celular eu teria pensado “quem se importa?”. E sim, sou nerd e anti-social. Não saber como me comportar naquela situação me fez recorrer a um ambiente que me é mais familiar, ainda que na janelinha minúscula do meu LG grátis-com-assinatura-pós-pago.

Sobre o show mesmo: a mulher é tudo aquilo e mais um pouco. É uma feia bonita, com gestos encantadores – tem até reboladinha! – e vários aumentativos acompanhando a magnífica voz: narigão, cabelão, bocão. O figurino era de lascar, uma saia que parecia de tafetá sobre um terninho. Se isso fosse moda eu estaria contente, mas não funciona, nem no palco nem em lugar nenhum. E não era um show comum, obviamente, pois ela se propôs a fazer uma retrospectiva da carreira, por isso cantou mais de 30 canções enfileiradas, em certos momentos o show parecia um pout-pourri gigante. Ficou de fora Carcará, cujo vídeo saiu numa reportagem d’O Globo este domingo entre os melhores do Youtube.

Fomos ao camarim depois mas eu morro de vergonha de ser tiete, acho que deve ser uma chatice para o artista ficar lá cumprimentando todo mundo. O Rodrigo falou com ela (afinal, foi ele quem comandou a reedição da obra dela lançada em 2006), e não foi desta vez que ganhei um abracinho de uma cria da Dona Canô.

Para completar a série de acontecimentos, encadeamentos e coincidências, eu fui ao show da Bethânia no dia do aniversário do Lemuel, um de seus maiores fãs. Presente torto pro Lemu.

Pensando bem, não sou jornalista coisa nenhuma. O “lead” não está lá essas coisas, e o pé está quebrado. Oh, well… Ouçam Reconvexo e saibam perdoar.

Stratosphera

Em um espaço retangular qualquer de tamanho médio, o sentimento vago conhecido como querer-bem ocupa a parte do ambiente rente ao teto, como a fumaça em um jazz club. De outro modo, o amor definível – mas nem por isso prosaico – se espalha ao rés do chão até a altura da cintura, intoxicante como o gás carbônico nas minas. A camada intermediária se destina à respiração das pessoas desafortunadamente normais.

The Buenos Aires Affair

Eu penso melhor em algumas ocasiões que outras, a saber:
 
1) Tomando banho de manhã ainda meio dormindo e sentindo que a água entra nos meus cabelos desgrenhados e escorre pela pele. Enquanto o cheiro do sabonete se encaixa em algum ano entre 94 e 2007 eu vou pensando idéias mirabolantes que em geral olham para as coisas que já passaram, não alcançando forma de nenhuma realização futura exceto a lista de pessoas para quem eu tenho que ligar e sempre esqueço e os próximos três compromissos noturnos.
 
2) Nos dez minutos antes de cair no sono, em que as idéias se embolam e se eu não for cuidadosa viram um pesadelo infinito de preocupações e pendências, mas em compensação podem virar uma ilusão de casulo e amornar o pé.
 
3) Olhando através da janela do ônibus e vendo pernas brancas pretas e amarelas do bonde do Drummond. Passam barracos quitandas e armazéns e eu penso em sensações telefonemas e listas de coisas a fazer.
 
4) Andando na rua quando o inverno quase acaba e sentindo que os pés saem do chão e o ar abre passagem e o ar já não é um gás rarefeito, é a essência mesmo das pessoas que me cercam e em quem eu penso, e me espantando com o espanto das pessoas que vêem meu sorriso.
 
(Lendo Gladys no Buenos Aires Affair. Enumérica…)

Lactivismo

Eu não tenho, como vocês sabem, histórias de primeira-mão para contar sobre amamentação (porque da última vez em que estive envolvida nesse assunto era nova demais para guardar memórias). Só posso dizer que uma das coisas mais lindas e emocionantes que vi este ano foi uma amiga muito amada dando de mamar ao filhote de três meses, no meio da sala de estar da avó do marido dela, com um monte de gente em volta e um clima de festa de família italiana. Para mim foi como vê-la no cenário perfeito, cena de cinema. O marido comentava: “quando o baby acorda com fome e eu apareço, ele fica furioso, como se dissesse ‘pô, você não tem leite!!!'”.

Confesso que estou sem inspiração e tempo para escrever o post legal que o assunto merece. Portanto, proponho um google-jogo. Ache um link para cada uma das afirmações abaixo. O primeiro item já está preenchido. Ready, set, go!

peito que faz leite dá inveja nos ovários alheios
– amamentar é ecologicamente correto
– é possível induzir lactação em mães adotivas
– não existe idade certa para desmame
– de acordo com as leis dietárias judaicas, leite humano é parve, ou seja, pode ser combinado com alimentos derivados de leite ou de carne
– o leite muda de gosto e composição conforme a idade da criança
– o gosto da comida da mãe passa para o leite
– tem um episódio de House que tem a ver com amamentação e anticorpos
– o esforço dos músculos faciais durante a amamentação é uma ginástica que prepara para a fala e mastigação perfeitas
– existem vídeos online mostrando como amamentar usando um baby-sling – o máximo da praticidade em bebês vestíveis!
– dá pra alimentar o bebê com fórmula e leite materno se precisar, mas o segredo é não usar mamadeira e sim uma colherzinha ou copinho para o bebê não viciar na sucção fácil do bico de látex
– dá pra ser legal com mulheres que amamentam mesmo sem ser uma delas
– pontos bônus para quem achar 3 músicas que falem de amamentação (eu só consigo lembrar, de cabeça, de uma)

Claro que o melhor ponto de partida para saber mais sobre amamentação e ler os textos de gente que tem muito mais para contar do que eu é o blog da Denise, nossa lactivista mais querida!

Postei um pouco no twitter mas não estava em casa durante o dia, não deu para fazer mais burburinho com a tag

Here, there and everywhere

Eu entrei no ônibus e ele disse que gostava da minha camiseta. Aí ele disse que tinha estudado na mesma universidade, e disse um monte de coisas sobre o que ele estudava, falava gesticulando bastante. Aí eu o vi outras vezes junto com um monte de outras gentes, e em pelo menos uma delas ele não disse nada e só ficou me olhando no fundo dos olhos com um olhar que demora. Logo depois tivemos nosso primeiro desentendido, mal-entendido, via blog e email. Acho que foi o único, dali em diante tudo foi dito sem legendas. E então teve aquele dia em que ele disse, debaixo de um sol escaldante, que estava se ajeitando para ir embora, juntando as tralhas, despedindo os amores, e voltando pra terra dele. Daí dissemos muitas, muitas coisas, em madrugadas infindáveis de msn e gtalk, a conversa sempre fluiu facilmente, sem segredo e meio sem pudor (o que agora, claro, confesso com um certo pudor). Fiquei feliz no dia em que ele disse que de sua terra ia para o sul, para um lugar onde o ar tinha a densidade certa para ele respirar. Foi mesmo assim que ele disse, o ar com a densidade certa, e eu fiquei pensando em coisas como peso e empuxo, e querendo que ele se equilibrasse. Na cidade da densidade certa ele disse que achou uma moça pecadora bem na medida também, o que eu achei bom, até vi na foto os cabelos vermelhos dela. Agora ele diz que tem uma possibilidade de emprego aqui, bem aqui ao lado. Eu fui lá ver onde ele pode ser que vá trabalhar e o enxerguei muito bem pelos corredores, num lugar de concreto como o primeiro de onde um dia saímos ao mesmo tempo. E fiquei pensando de novo em densidade, e querendo que a densidade deste Rio que me abraça seja certa para ele e também o acolha, e que ele se sinta bem melhor, e que me diga outra vez que está feliz, que os discos estão todos a 33 1/3 direitinho, no tom certo. E espero, de coração, que se acertem todos os ditos e não-ditos.

Aniversário

Este blog tem sete anos.
Sete é conto de mentiroso.
Não menti, mas não disse as verdades todas.
É que minhas verdades são um pouco tímidas.

A rainha dos robôs

Ela pode sentir nos ossos a chuva chegando. Ela sabe que algo não está
bem mesmo antes de ouvir o trovão. O relâmpago ela mesma faz, a caneta
preta, num dos tantos cadernos. Desenha, escreve, recorta, sorri. Fuma
mais um pouco e escuta a madrugada. Devota ser quem é ao homem que vai
chegar daqui a pouco, entrar pela porta, dizer coisas profundas por
ofício e nonsense por diversão. Parou de beber na semana passada, de
novo. Toma um café. Olha o chapéu azul e grava umas fitas, escreve
qualquer coisa em caracteres cirílicos, deixa a foto provocante
rolando na internet e espera o sol que já envém.

Onde não diremos nada, nada aconteceu

Disse e vou dizer de novo: eu te amo. Essa frase repetida tantas
vezes em momentos enrolados, safados ou ternos, ainda sai da minha
boca em só pensar no seu gesto e cheiro. Já não me lembro como era o
passado em que não te amava, em que não tinha a sua compreensão e
atenção completas. Tampouco posso imaginar o futuro distante – mas
inevitável – em que não direi mais eu te amo, porque o resquício de
amor não será o suficiente para encorajar as palavras. Por isso me
incorporo no escuro, para dizer a você que te quero, te entendo, te
sou, te tenho completamente no presente. E amo.

É que eu tô…

Faz nove meses que fecundei a barriga de um avião com meus pertences e presença. Agora é hora de parir a mim mesma, dando-me à luz brasileira. Feito os partos não-metafóricos, houve trauma, sustos e um pouco de dor, mais um tanto de respira e empurra.

Difícil a gente se tornar o que já deveria ser.


Meu amor, você me dá sorte!

Acredito quase magicamente nos meus amuletos de predileção, a saber:

– hamsa
– Nossa Senhora de Guadalupe
– qualquer coisa cantada pela Nina Simone
– verde com rosa
– roxo com amarelo
– wasabi
– Menina Amanhã de Manhã cantada pela Mônica Salmaso
– namorados taurinos
– minha mãe me chamando de Burunga
– chá de camomila ou hortelã
– Nescau

Qualquer combinação de dois ou três desses itens já me ajuda a viver e enfrentar. Muita sorte mesmo.