Todo dia ela faz

Era governanta na casa dos granfinos, vivia cansada mas fazia tudo sorrindo. Xingava o despertador, levantava e quase não via o tempo se esvair entre o cuidado das crianças – levar à escola, ao médico, conversar, assegurar, ensinar o ônibus, pagar o táxi – e as contas da casa, de que também cuidava. Telefonar para os amigos dos patrões, podemos levar as crianças amanhã para uma visita?, e morrer de medo que dissessem não, que seria dos pirralhos. Um pouco de novela, que ninguém é de ferro, e aí já não sobrava tempo para a depilação, o alisamento, as unhas meio tortas. Voltava para o marido no bairro distante e a felicidade quase inacreditável do abraço dele, um jeito de se perder de tudo. As amigas ligavam, cobravam, sábado nos encontramos, só as mulheres? A outra puxava pela culpa, você mudou, Gislene, não era assim, antes gostava de nós. Ela sorria e se desvencilhava como podia. A casa em constante desalinho, roupas pelos cantos, roupas por guardar, pratos na pia. Era feliz, enfim.

Queria um dia estar com a casa em ordem e sem preocupações de trabalho, assim o amante não ficaria tão esquecido.