achei uma tira de papel que diz:
Eu tenho um medo que vive em mim em forma de sorriso.
Eu tenho um sonho que não dorme.
Eu tenho a cadência mas não tenho ritmo.
Eu tenho nojo.
Eu tenho coceira de adivinhar o riso.
Eu tenho nostalgia de um futuro próximo.
Eu tenho fome que não se tempera.
Eu tenho frio de coisas passadas.
Aparição
Entre um dia de cão e o balaio de gato ainda vejo a bruxa. Ela me conta o que vê lá de cima, voando em sua vassoura, e diz que as cidades mais parecem mapas – se vêem esquinas e cada curva é de novo escolha. Completamente alheia à quântica e que tais, diz que uma observação não colapsa a onda.
A bruxa acredita na verdade, no toque, na elegância, no carinho, na história, na saudade, na lágrima furtiva nascida do vinho. Ela também acha que a felicidade espreita a cada passo, embora o suspense do pé no ar mais pareça um chute.
Ela faz questão do contato, e seu corpo grita Escher, a mão dentro do peito agarrando o pulsar, outra levantada aos cabelos, cabeça-coração. Intui e lhe basta, embora custe tanto aos outros compreender que assim é a vida.
Do caldeirão saem coisas, muita fumaça e muita bolha, superfície fervilhando. A gata preta teve que ter as urgências estirpadas, mas passa bem obrigada. O sangue jorra à terra em esguichos fortes. O perfume não é comprado, nasce de dentro.
Peço à bruxa que fique. Ela vai pensar no meu caso.
Sufoco
Sei que estou sumida, mas ando no sufoco. Só conto que das coisas ótimas e excitantes dos últimos tempos destacam-se o show, na quinta passada, do Ladysmith Black Mambazo, e a expectativa para o show de Zap Mama sábado que vem. Nem acredito que estou vendo os dois num tempo tão próximo. Tenho que escrever – urgente – pra Dona Malu Prates.
Tolerância
Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é muito pouco. Quando se tolera, apenas se concede e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas da qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância. (José Saramago, mas copiado do Livro da Tribo, 19.1.2001/2002)
Livromancia
Úrsula se preguntaba si no era preferible acostarse de una vez en la sepultura y que le echaran la tierra encima, y le preguntaba a Dios, sin miedo, si de verdad creía que la gente estaba hecha de hierro para soportar tantas penas y mortificaciones; y preguntando y preguntando iba atizando su propia ofuscación, y sentía unos irreprimibles deseos de soltarse a despotricar como un forastero, y de permitirse por fin un instante de rebeldía, el instante tantas veces anhelado y tantas veces aplazado de meterse la resignación por el fundamento, y cagarse de una vez en todo, y sacarse del corazón los infinitos montones de malas palabras que había tenido que atragantarse en todo un siglo de conformidad.
-¡Carajo!-gritó.
Amaranta, que empezaba a meter la ropa en el baúl, creyó que la había picado un alacrán.
-¡Dónde está!-preguntó alarmada.
-¿Qué?
-¡El animal!-aclaró Amaranta.
Úrsula se puso un dedo en el corazón.
-Aquí-dijo.
(GGM, Cien años de soledad)
E se ela chora num quarto de hotel
Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela mora no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz
2 x 3
Melhor coisa.
Cada vez pior (Nene)
A loucura da vez, deixa eu ver se eu me explico…
Quando se convive o bastante, veja bem, não precisa ser muito, apenas o bastante com uma pessoa, decoram-se o gesto, a fala, as expressões faciais. Vai daí já me aconteceu bastante de eu me sentir como alguém que conheço, minha mãe ou minha irmã em geral, quando me flagro dizendo alguma coisa no mesmo tom de voz ou mesmo fazendo um olhar, um gesto, como aquele cruzar de pernas que o meu pai só faz quando assiste futebol. Todos eles são família, são próximos. De uns meses para cá eu às vezes entro na pele de alguém que não conheço tanto, entro mesmo, John Malkovich total, de pensar se de lá também se sentiram em mim, um pensamento ao menos despertado por essa troca astral que eu não sei de onde vem. Também quero saber se isso vai durar, experiência LSD em flashes para sempre?
Os psiquiatras de plantão manifestem-se, por favor.
César.
Cesare Mansueto Giulio Lattes
11/7/1924–08/03/2005
“Você não acredita em Deus? Olha, olha aquela flor ali. Quem você acha que fez aquilo? (…) Ah, então você não é ateu: você é agnóstico. Não acredita, mas se reserva o direito de mudar de opinião.”
“- César, eu tô nervosa.
– Por quê?
– Ah, com a formatura.
– Tá nervosa porque agora vai ter que trabalhar, né, safada?”
“Então quer dizer que eu sou o santo patrono de vocês?”
“Chamaram o pró-reitor, cadê o contra-reitor?”
“Até que a morte os separe é exigir pouco. Cristão não entende nada de amor, quem sabe de amor são os indianos, que quando um morre o outro se atira ao fogo junto com o corpo.”