I know you wanted me too

Bem resolvida! Quem não me conhece que me compre. Bem resolvida, o mal-resolvido repito e repito, em pensamento e em papéis soltos, como migalhas de Maria e tantos Joões. Para achar o caminho de volta (e acho), para dizer olha: estive aqui, longe, perto, perto de novo. Arqueóloga sentimental, invento coincidências, telepatias, mastigo respostas, guardo imagens

Vamos ao que resta, amor.

Preciso voltar a escrever. Escrever com frequência, escrever com profundidade. Uma professora definiu que a gente tem que escrever ou pra curar ou pra servir, e eu estou disposta às duas coisas. Ainda adiciono à minha missão o reescrever: editar e revisar para atender à cura ou à missão de outras pessoas, ampliar vozes e experiências, espalhar sentimento e saber. Cada vírgula em seu lugar; tudo na mais imperfeita ordem, tudo na mais profana paz.

https://www.youtube.com/watch?v=Rk1XLxEFE_0

Uma Nota de Agradecimento aos Homens

Por Mary-Louise Parker
Publicado originalmente na Esquire, 9/jul/09
Tradução Heloisa Paula

A você, a quem interessar possa:

Criatura viril, que cheira bem mesmo quando não cheira bem, você acorda devagar demais, com o cabelo bagunçado pra cima e um olhar ligeiramente perdido como se você tivesse sete ou setenta e cinco anos; você pode consertar minha porta da frente, minha pia, e abrir a maioria dos potes; você, que perde uma abotoadura e tem que se arranjar com um alfinete, você prometeu aniquilar intrusos e dragões com sua chave Phillips ou sua Montblanc; a você, porque você repara numa mulher carregando um naco saudável de anos ou quilos e solta um assobio discreto e sincero; porque você acha que qualquer um dos tapetes está ótimo, sério, está; você parece andar pela rua um pouco mais altivo do que eu, um pouco mais atento mas ainda com um propósito; a você que codifica, conjuga, chuta uma bola, coloca isca no anzol, monta um armário decente ou um sanduíche perfeito; você que dá vinte contos para as crianças vendendo chocolate Hershey’s e espera na esteira de bagagem por três horas na sua camisa de flanela; você, senhor, você tira meu pedido, meu pulso, minha doideira; você que me ensaboa no banho, mergulha comigo na banheira; a você, menino crescido, o cavalheiro, soldado, professor ou homem das cavernas, o homem sofisticado com monogramas nas toalhas e sal nos chocolates, a você e àquele cara no quiosque; obrigada pelo tour na vinícola, no corpo de bombeiros, na cabine de som, obrigada pelo caleidoscópio, pela Nebulosa Cabeça de Cavalo, pela pintura, pela verdade; a você que me carrega pelo estacionamento, pelas escadas, para o pronto-socorro, catre ou tatame; a você que aparece de vez em quando só pra confundir e atormentar, e você que fica em órbita, sempre, à minha esquerda e firme, você me defendeu, não vou me esquecer disso; a você, o que não consegue entender e nunca vai conseguir, e você que perdeu o controle remoto, o cachorro, ou o rumo completamente; a você, mago, você cantou no meu ouvido e me trouxe de volta dos mortos, você me conta coisas, me arrepia; aos que me destruíram, ainda que por um minuto, e aos que me aumentaram, consumiram, me devolveram meu coração dez vezes maior; a quase qualquer coisa que se merece chamar de um homem: Como eu te amo, com sua habilidade de acender fogueiras que me aquecem, me acendem.

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All you need is love

“Gosto de como você escreve” é o caminho mais curto para o meu coração. Lá você vai encontrar portas cor-de-rosa e amarelas e nunca se sabe se detrás delas surgirá um José Arcadio (ay, hermanita, ay, hermanita), uma Melisandre do bem ou uma bruxa gueixa sorridente. Os quartos que lá se loteiam são um labirinto de memórias e palavras, letras e inspirações, gatos enrolados pelos cantos, um hotel de putas onde o tempo e as conexões se encaixam fio a fio. Sentir em círculos pode não ser tão ruim assim – você vai ter a melhor cicerone do portal pra Pasárgada. Prometo.

Alberto Solano Flores - New Blood

Para ouvir: Sob Medida com Chico sendo da nossa laia, ou Sob Medida com a Bethânia que o outro lá não gosta.

Serei feliz de novo

É hora de pensar em todos os quartos escuros em que você já esteve. Honey, baby. Os alegres, os tristes, os suados, os frios. A raiva eterna de quem te abandonou, todos os seus erros cobertos de lençol branco, seus contos eróticos em sociedades secretas, seu choro dolorido no dia da cólica, seu sofrimento, seu desejo, cada centímetro do seu corpo ansiando por ser outro e ainda assim – você, no quarto escuro. Todas as vezes a janela fechada, todas as vezes sem conseguir alcançar o interruptor. É hora de pensar em cada um deles, honey, baby, é hora de bater no fundo do poço, dar impulso. Subir.

Dream a little dream of me

Tenho sonhado com pessoas. Dormindo, digo. Em geral tá todo mundo vestido, mas o caso é que entre super-poderes, anatomias estranhas (não pergunte) e encontros descabidos, vejo que os enredos têm a ver com conexão: desejo de estar perto, culpa de estar longe, medo de não dar conta e – só pra aliviar – conforto cotidiano. Estava sentindo falta do divertimento de sonhar esquisitices, decifrar roteiros, interpretar o sótão. Gestar paixão, produzir ansiedade, processar coisas várias. Enquanto dura essa onda, não se surpreenda com o inbox: “ei, sonhei com você!” Pode ser a cantada mais batida do mundo, mas pelo menos é verdade.

(Fb, 11/mai/2016)

Tudo que a antena captar meu coração captura

“Você não tem TV? Pra onde estão voltados seus móveis? Pra onde você olha? O que você faz de noite?”

Quando deixei de ter TV, em março de 2006 (#alokadasdatas), as pessoas olhavam pra mim como se eu fosse um ET, como se eu não tivesse geladeira. Algumas coisas mudaram: hoje é bem mais comum não ter um aparelho de TV em casa e eles são menos trambolhosos (minha última TV era de tubo). Muitas pessoas fazem questão de frisar: “só uso pra jogar e ver Netflix!”. Morando em apartamento pequeno, a coisa dos móveis serem voltados para um “altarzinho” é o que mais me incomodaria, além dos fios e parafernálias que inevitavelmente vêm junto. Por enquanto acho que vou continuar assistindo série no laptop mesmo…

Do Leme ao Pontal

Pra não dizer que não há mérito na figura do amigo gringo, foram precisos (com duplo sentido por favor) dois amigos gringos para eu me dar conta de que:
– O carioca tem uma preocupação imensurável com bairros. Basta um minuto de conversa para a pergunta vir aguda e sem pudor: em que bairro você mora? Assim avaliam-se relacionamentos, possibilidades, afinidades, diferenças. Às vezes mente-se.
– Talvez um desdobramento da anterior: o carioca quase não muda de bairro. Adota-se a freguesia favorita, muitas vezes a de origem, por anos a fio, e é dela que se emitem todas as opiniões sem um grão de sal sequer de outras experiências, outros pininhos no mapa. Para o bem ou para o mal, elitismo e vira-latismo se misturando à vera.

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Na parede da memória

É elástico o tempo. A memória também. Eu tenho fama de ter boa memória, mas não é verdade. Minha vida se desenvolveu em tomos, em caixas, cada volume de anos se fechando empoeirado na mudança de fase. Assim, os últimos dois anos me parecem repletos de acontecimentos e reviravoltas, enquanto os sete passados em Campinas se embolaram num marasmo indistinguível e os da universidade americana se misturam aos da ONG.

O que faz as pessoas pensarem que tenho boa memória é a lembrança de nomes, de frases, de uma ou outra anedota, e dos gestos. Por outro lado, não consigo me lembrar de como passava o meu tempo, ou de como fui parar nos meus relacionamentos (o que eu estava pensando, meu d’us?), ou de eventos que deveriam ter sido marcantes apesar de terem sido 15 anos atrás.

Por isso o projeto tantas vezes adiado de compilar a história dos meus pais, estudar a fundo a biografia deles. Onde meu pai trabalhou, o que minha mãe pensava quando era solteira, o que lembram dos seus avós, o que sabem de suas cidades, e o que esperavam do futuro.

Peraí, essa sou eu. O que eu esperava do futuro e, principalmente, o que eu quero agora? Saber o que se quer é quase uma falta de educação e outra, maior ainda, dizê-lo. (maio/2011)

Mão carregando mala. Some rights reserved by Peter Kurdulija

Se a história era real

O coelho branco leva Alice pela mão e mais que um buraco o que ele mostra é um túnel do tempo tramado e tecido tal que Alice é a peça que falta. Desaniversários vários divertidos com personagens cobertos de símbolos – o ilustrador caprichou – chapeleiros e gatos sorridentes. Alice já não sente o perigo de se alternar grande e pequena, para sempre na medida certa e vendo através do espelho mundos onde se encaixa e se sente bem.

(Achado num caderninho. Para ouvir: Alice no país da malandragem.)

Alice in Wonderland: White Rabbit - Who Killed Time?