É hora de pensar em todos os quartos escuros em que você já esteve. Honey, baby. Os alegres, os tristes, os suados, os frios. A raiva eterna de quem te abandonou, todos os seus erros cobertos de lençol branco, seus contos eróticos em sociedades secretas, seu choro dolorido no dia da cólica, seu sofrimento, seu desejo, cada centímetro do seu corpo ansiando por ser outro e ainda assim – você, no quarto escuro. Todas as vezes a janela fechada, todas as vezes sem conseguir alcançar o interruptor. É hora de pensar em cada um deles, honey, baby, é hora de bater no fundo do poço, dar impulso. Subir.
Dream a little dream of me
Tenho sonhado com pessoas. Dormindo, digo. Em geral tá todo mundo vestido, mas o caso é que entre super-poderes, anatomias estranhas (não pergunte) e encontros descabidos, vejo que os enredos têm a ver com conexão: desejo de estar perto, culpa de estar longe, medo de não dar conta e – só pra aliviar – conforto cotidiano. Estava sentindo falta do divertimento de sonhar esquisitices, decifrar roteiros, interpretar o sótão. Gestar paixão, produzir ansiedade, processar coisas várias. Enquanto dura essa onda, não se surpreenda com o inbox: “ei, sonhei com você!” Pode ser a cantada mais batida do mundo, mas pelo menos é verdade.
(Fb, 11/mai/2016)
Tudo que a antena captar meu coração captura
“Você não tem TV? Pra onde estão voltados seus móveis? Pra onde você olha? O que você faz de noite?”
Quando deixei de ter TV, em março de 2006 (#alokadasdatas), as pessoas olhavam pra mim como se eu fosse um ET, como se eu não tivesse geladeira. Algumas coisas mudaram: hoje é bem mais comum não ter um aparelho de TV em casa e eles são menos trambolhosos (minha última TV era de tubo). Muitas pessoas fazem questão de frisar: “só uso pra jogar e ver Netflix!”. Morando em apartamento pequeno, a coisa dos móveis serem voltados para um “altarzinho” é o que mais me incomodaria, além dos fios e parafernálias que inevitavelmente vêm junto. Por enquanto acho que vou continuar assistindo série no laptop mesmo…
(Daqui: http://notlikethatjohn.tumblr.com/post/23440719140)
#tãosimples
Do Leme ao Pontal
Pra não dizer que não há mérito na figura do amigo gringo, foram precisos (com duplo sentido por favor) dois amigos gringos para eu me dar conta de que:
– O carioca tem uma preocupação imensurável com bairros. Basta um minuto de conversa para a pergunta vir aguda e sem pudor: em que bairro você mora? Assim avaliam-se relacionamentos, possibilidades, afinidades, diferenças. Às vezes mente-se.
– Talvez um desdobramento da anterior: o carioca quase não muda de bairro. Adota-se a freguesia favorita, muitas vezes a de origem, por anos a fio, e é dela que se emitem todas as opiniões sem um grão de sal sequer de outras experiências, outros pininhos no mapa. Para o bem ou para o mal, elitismo e vira-latismo se misturando à vera.
Na parede da memória
É elástico o tempo. A memória também. Eu tenho fama de ter boa memória, mas não é verdade. Minha vida se desenvolveu em tomos, em caixas, cada volume de anos se fechando empoeirado na mudança de fase. Assim, os últimos dois anos me parecem repletos de acontecimentos e reviravoltas, enquanto os sete passados em Campinas se embolaram num marasmo indistinguível e os da universidade americana se misturam aos da ONG.
O que faz as pessoas pensarem que tenho boa memória é a lembrança de nomes, de frases, de uma ou outra anedota, e dos gestos. Por outro lado, não consigo me lembrar de como passava o meu tempo, ou de como fui parar nos meus relacionamentos (o que eu estava pensando, meu d’us?), ou de eventos que deveriam ter sido marcantes apesar de terem sido 15 anos atrás.
Por isso o projeto tantas vezes adiado de compilar a história dos meus pais, estudar a fundo a biografia deles. Onde meu pai trabalhou, o que minha mãe pensava quando era solteira, o que lembram dos seus avós, o que sabem de suas cidades, e o que esperavam do futuro.
Peraí, essa sou eu. O que eu esperava do futuro e, principalmente, o que eu quero agora? Saber o que se quer é quase uma falta de educação e outra, maior ainda, dizê-lo. (maio/2011)
Se a história era real
O coelho branco leva Alice pela mão e mais que um buraco o que ele mostra é um túnel do tempo tramado e tecido tal que Alice é a peça que falta. Desaniversários vários divertidos com personagens cobertos de símbolos – o ilustrador caprichou – chapeleiros e gatos sorridentes. Alice já não sente o perigo de se alternar grande e pequena, para sempre na medida certa e vendo através do espelho mundos onde se encaixa e se sente bem.
(Achado num caderninho. Para ouvir: Alice no país da malandragem.)
Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia
Tenho participado de fóruns de desapego e o que mais vejo as pessoas falando é “estou limpando o armário, vou fazer um bazar/bazar de troca”. A ideia em si é boa, mas fico pensando: não adianta nada falar em desapego se você vai continuar se comportando como a Guardiã de Tudo, a Tirana da Roupa Velha. Pegando emprestada a filosofia da Marie Kondo: aquela roupa já trabalhou por você, já deu o que tinha que dar. No fundo o que você quer é que alguém te dê dinheiro/gratidão/sorrisos sem fim por algo que você não quer mais. Ironicamente, quem está aprisionada é você que vai ter que trabalhar mais N horas (pense no trabalho que dá organizar um bazar ou fotografar/anunciar roupas) para poder, enfim, ter um pouquinho mais de espaço livre e minimalismo. Essas pessoas imaginárias que querem muito suas roupas, existe uma grande chance de elas não existirem. Você vai doar suas roupas para um bazar beneficente e talvez elas sejam vendidas a preço de banana pra gente que não liga para a marca. Talvez elas sejam doadas para pessoas pobres. Talvez elas sejam descartadas. E tudo bem. Mesmo. O argumento do desperdício, do meio ambiente, não me escapa, mas as coisas têm um fim. Tudo acaba. E de novo: tudo bem. O que salva a natureza não é ter um fluxo contínuo de coisas passando pela sua vida e alcançando o destino exato depois disso, como se você fosse a rainha da benesse. O que melhora o mundo é comprar menos, precisar de menos.
(dezembro/2015)
PS: O mesmo vale para outros objetos: livros, CDs, eletrônicos. E eu sou tão culpada disso quanto você.
A propícia estação
Acordo e já tenho preguiça de debulhar o trigo e roubar o caldo da cana, de processar tudo isso, de ouvir suas histórias e te entender, de me entender e de me fazer clara, de arrumar papéis, bilhetes ao vento com poemas dispersos e divórcios internacionais, de me disfarçar, de te encobrir, de nunca mais me importar, de não importar diante do teu broto à tua semelhança, fan girl para todo o sempre. Vou dormir desejando sonhar uma plantação de alguma outra coisa.
(Achado em um caderninho antigo.)
Eu dizia o seu nome
Eu tiro os rótulos. Literalmente. Xampu tem uma cor, condicionador tem outra, sei que ao lado da pia da cozinha está o detergente, não me venham presentear com o pote de vidro escrito: “farinha”, pois se eu quiser botar açúcar vou ficar incomodada. Trabalho cá dentro pra tirar os rótulos do resto também, das pessoas, das relações, das artes – embora nem sempre consiga.
Mas tem um outro lado meu que gosta dos nomes. Dar nome, essa coisa tão americana, ajuda a pensar coisas. Um nome não necessariamente define, mas delimita, é uma beleza, uma ajuda no sentir. Ou um toque de inesperado – como aquela amiga querida que dá nome de gente ao carro, ao telefone, à panela, ao peixe, surpreendendo as pessoas com seus Osvaldos. Amo os nomes: café 22, botecamp, dez pro bem, café corrente, simplim, tão simples, não posso ver um projeto que já vou batizando. É carinho.
No fim, o que conta é mesmo entender como a cabeça funciona e como ela se arruma pra lidar com o de fora: a confusão, a demora, a impossibilidade, e até suas irmãs harmonia, urgência, realização – porque o bom também estressa. Explicando o mundo me acalmo. As palavras, elas sempre.

Tijolo com tijolo num desenho mágico
Eu às vezes não tenho paciência pro vocabulário da poesia. Aparece um homem falando da vida na floresta, eu digo “esse aí? nem cinco minutos eu aturava”. Vem outro e fala de cimento, tijolo, revestimento, e eu: “com esse sim eu fechava o boteco”, tal qual uma Dona Baratinha concreta e ligeiramente alcoólatra. Meu conselheiro diz: “larga esse corpo de exatas, que ele não te pertence, vem pro onírico”, mas meu pé grande tá fincado no chão, bem raiz. Que que a gente faz? A gente segue. “Bruxa cartesiana.”