Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia

moletom roxo

Tenho participado de fóruns de desapego e o que mais vejo as pessoas falando é “estou limpando o armário, vou fazer um bazar/bazar de troca”. A ideia em si é boa, mas fico pensando: não adianta nada falar em desapego se você vai continuar se comportando como a Guardiã de Tudo, a Tirana da Roupa Velha. Pegando emprestada a filosofia da Marie Kondo: aquela roupa já trabalhou por você, já deu o que tinha que dar. No fundo o que você quer é que alguém te dê dinheiro/gratidão/sorrisos sem fim por algo que você não quer mais. Ironicamente, quem está aprisionada é você que vai ter que trabalhar mais N horas (pense no trabalho que dá organizar um bazar ou fotografar/anunciar roupas) para poder, enfim, ter um pouquinho mais de espaço livre e minimalismo. Essas pessoas imaginárias que querem muito suas roupas, existe uma grande chance de elas não existirem. Você vai doar suas roupas para um bazar beneficente e talvez elas sejam vendidas a preço de banana pra gente que não liga para a marca. Talvez elas sejam doadas para pessoas pobres. Talvez elas sejam descartadas. E tudo bem. Mesmo. O argumento do desperdício, do meio ambiente, não me escapa, mas as coisas têm um fim. Tudo acaba. E de novo: tudo bem. O que salva a natureza não é ter um fluxo contínuo de coisas passando pela sua vida e alcançando o destino exato depois disso, como se você fosse a rainha da benesse. O que melhora o mundo é comprar menos, precisar de menos.

(dezembro/2015)

PS: O mesmo vale para outros objetos: livros, CDs, eletrônicos. E eu sou tão culpada disso quanto você.

A propícia estação

Acordo e já tenho preguiça de debulhar o trigo e roubar o caldo da cana, de processar tudo isso, de ouvir suas histórias e te entender, de me entender e de me fazer clara, de arrumar papéis, bilhetes ao vento com poemas dispersos e divórcios internacionais, de me disfarçar, de te encobrir, de nunca mais me importar, de não importar diante do teu broto à tua semelhança, fan girl para todo o sempre. Vou dormir desejando sonhar uma plantação de alguma outra coisa.

(Achado em um caderninho antigo.)

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Eu dizia o seu nome

Eu tiro os rótulos. Literalmente. Xampu tem uma cor, condicionador tem outra, sei que ao lado da pia da cozinha está o detergente, não me venham presentear com o pote de vidro escrito: “farinha”, pois se eu quiser botar açúcar vou ficar incomodada. Trabalho cá dentro pra tirar os rótulos do resto também, das pessoas, das relações, das artes – embora nem sempre consiga.

Mas tem um outro lado meu que gosta dos nomes. Dar nome, essa coisa tão americana, ajuda a pensar coisas. Um nome não necessariamente define, mas delimita, é uma beleza, uma ajuda no sentir. Ou um toque de inesperado – como aquela amiga querida que dá nome de gente ao carro, ao telefone, à panela, ao peixe, surpreendendo as pessoas com seus Osvaldos. Amo os nomes: café 22, botecamp, dez pro bem, café corrente, simplim, tão simples, não posso ver um projeto que já vou batizando. É carinho.

No fim, o que conta é mesmo entender como a cabeça funciona e como ela se arruma pra lidar com o de fora: a confusão, a demora, a impossibilidade, e até suas irmãs harmonia, urgência, realização – porque o bom também estressa. Explicando o mundo me acalmo. As palavras, elas sempre.

shampoo, condicionador, gel de banho - foto.
by-nc-nd 2.0, some rights reserved by ALWH – flickr.com/photos/alwh

Tijolo com tijolo num desenho mágico

Eu às vezes não tenho paciência pro vocabulário da poesia. Aparece um homem falando da vida na floresta, eu digo “esse aí? nem cinco minutos eu aturava”. Vem outro e fala de cimento, tijolo, revestimento, e eu: “com esse sim eu fechava o boteco”, tal qual uma Dona Baratinha concreta e ligeiramente alcoólatra. Meu conselheiro diz: “larga esse corpo de exatas, que ele não te pertence, vem pro onírico”, mas meu pé grande tá fincado no chão, bem raiz. Que que a gente faz? A gente segue. “Bruxa cartesiana.”

A thousand flowers could bloom

Broder, me dei conta de que agora fez um tempo e a gente não se vê mais. Eu te maldisse mil vezes e de todas as minhas histórias a nossa foi a mais estranha: curta, clandestina, errática, cheia de falhas de comunicação, a maior concentração de filhadaputice por metro quadrado e aquela música que ficou pra sempre entalada na memória. Você me oferecia bebida como se achasse que eu não ia dar pra você (eu ia), você curtia o segredo como se eu precisasse dele (não precisava), você fingia que não fazia muita questão (fazia). Até o final foi esquisito, todo errado. Mas broder, cê lembra como era bom? 

Não dormia nua

Você me disse assim: “você nunca mais ficou nua no blog”. E eu disse: “é verdade”. Do mesmo jeito que nunca mais me apaixonei como aos vinte anos, nunca mais derreti no chuveiro, nunca mais romance, nunca mais cinema, nunca mais drink no dance. Tal qual uma Sasha sexy cujas sacanagens se alfabetizaram em inglês, nunca mais achei a tradução de small of the back para ser gentilmente conduzida assim pelo small of the back  para fora de um restaurante ou para dentro de um tesão incubado qualquer.

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Tem tempos e tempos. Tempos de mesa de bar, tempos de chão da sala, tempo de cama. Casa, rua, a gente vai zanzando de acordo com a cabeça e a conjuntura. Andamos agora de casa, eu e vocês. Entrando e saindo de nossas casas, discutindo detalhes – sórdidos, inclusive – tomando café. É uma intimidade não esperada para esta cidade, para estas pessoas, para nós. Ninguém nos acredita, inocentes não somos – jamais.
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Perna bamba e coração mole. Você insiste: “escreve, escreve mais contos safados para mocinhas que já vêm molhadas”. E eu: “não, não posso!”. Na falta de enredo, só imagens: gesto de menina, nas mãos muitos dedos, nos dedos muitos anéis. O olhar de senhorinha por sobre os óculos, toda ela criança. Quem diria que eu de novo ia encontrar santo menino que velho respeita? Velha, no caso, eu. O jeito que ela tira os óculos no escuro já no último minuto antes de partir pro ataque, o tanto de badulaque no corpo, a moleza, a pegada, hippie cigana agênera com sotaque fazendo o número do violão e um tanto de trocadilho ruim. Se alguém pegar a bola de cristal e disser que a gente nunca mais se vê, sai: chôro sentido e texto bom. Se me disser a mesma bruxa que a gente se vê por aí, a cada tanto, em cantos escuros lá e cá, acredito piamente também. O sea, resumiendo, estoy jodida y radiante, quizás más lo primero que lo segundo y también viceversa.

Mais um artigo sobre uma montoeira de coisas.

Será que os americanos estão comprando muito? Esta é a pergunta idiota do dia, feita pelo The Guardian.

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Mas se a pergunta é boba, por que não nos questionamos ainda aqui no Brasil?

Lá pras tantas o texto da matéria diz que (tô parafraseando) quando você compra coisas novas, o custo não é só grana. Custa dinheiro, custa o tempo que você levou pra ganhar esse dinheiro, custa espaço na sua casa, e custa o tempo de limpar e manter tudo. E custa planeta, sim sinhô e sim sinhóra. Além, claro, de um stress danado quando você olha prum armário cheio e não tem nada pra vestir.

Tá sobrando cacareco. A solução é menos. #tãosimples

Ah, por favor, não vem me explicar

Cá no inbox, uma amiga cientista pergunta: “Qual será a proporção de homens e mulheres que são contraditos ou duvidados quando falam sobre sua especialidade por alguém (quase sempre um homem) que não é nem especialista na mesma area? Pense num ódio…”

Lá nos EUA, uma vez um professor do Dan (meu ex, que estudava filosofia da física) estava conversando com ele no almoço, propondo um thought experiment de relatividade especial – nave a, nave b, fio inextensível, etc. E eu do lado prestando atenção. Lá pras tantas o professor me pergunta “am I boring you yet, honey?”. O Dan rapidamente corrigiu o cara  dizendo que eu tinha graduação e mestrado em física, e o cara só disse “ah, isso são dois diplomas a mais que eu”, deu de ombros e continuou sem pedir nem desculpa nem expressar embaraço.

Moral da história? Não seja esse cara. Por favor, não seja esse cara.

A pequena casa dos sonhos

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treehugger.com/green-architecture/your-tiny-dream-home.html

Postei estes dias lá na Grande Rede Social uma notícia de 3 anos atrás sobre o concurso de design para os micro-apartamentos de NY. A planta que aparece na notícia é bem parecida com a do meu apartamento e é exatamente do mesmo tamanho.

“As pessoas estão sacando que morar em lugares pequenos é uma escolha, não é um castigo. As pessoas querem tamanhos gerenciáveis, que requerem manutenção mínima, com consumo de energia decente e aluguel razoável.

Todo mundo quer morar num refúgio de paz, não numa fonte de stress. Todo mundo quer casas que fazem sentido financeiramente, em relação ao meio ambiente, e de acordo com o bom e velho bom-senso.

Este movimento trazer um futuro em que as nossas casas vão apoiar nossas vidas, em vez de simplesmente ter uma vida que sustente nossas casas.”

Beija eu

Mais um capítulo do Manual de Etiqueta Amorosa e Sexual do Canalha Gentil e da Safada de Fino Trato, a ser escrito por esta que vos fala assim que sobrar um tempinho:

A hora certa de conversar sobre monogamia e relacionamentos abertos, sobre disposições emocionais várias ou sobre a tara esquisita que te faz cantar o Hino da Bandeira na hora do orgasmo (pátria, filhos e mãe gentil na mesma frase) é – presta bastante atenção! – naquele intervalo de tempo depois de beijar e antes de tirar a roupa.

Antes do beijo esses assuntos podem ser um ótimo quebra-gelo mas o investimento na situação é baixo demais e as pessoas podem deixar de se permitir algo que nem é tão ruim assim.

Depois de tirar a roupa já é quase uma traição, uma propaganda enganosa, um descombinado se infiltrando ali onde não devia.

Kitty Reindeer

É muito ruim comprar gato por lebre, mas dá uma olhada nesse gato de novo, vai…

Para ouvir: Esqueça o que te disseram sobre o amor