Eu lhe darei uma sandália de prata

Tenho livros de vários amigos na minha estante e livros meus espalhados por aí. Tenho roupas em três casas diferentes. Passei o reveillon na casa de um amigo e às horas da manhã que saí abandonei por lá minha maquilagem (todos os quatro itens), minhas sandálias novas prateadas (assim pensei) e a bolsa de Mafalda que minha irmã me deu. Meses depois a Queridona ia a uma formatura e já pronta descobriu que o par de sandálias em seu poder tinha um pé 40 e um pé 36. Foi à festa com sapatos que não dançam. Na época, eu disse que a culpa era do Dono da Casa, coitado, ao final era minha.  Longe de mim fazer pouco caso do imprevisto que passou a queridona, mas acho graça ter a minha vida misturada a outras. Pertenço.

We can play it safe, or play it cool

It’s a funny way, to make ends meet,
when the lights are out on every street,
It feels alright, but never complete,
without you,
(…)
We can play it safe, or play it cool,
follow the leader, or make up all the rules,
whatever you want, the choice is yours,
So choose.

Faz uns cem anos eu levava palavras pra passear e há quinhentos me enrolava nelas. De duas semanas pra cá são vinte cafés e achar o caminho com o nariz pelas ruas do centro, farejando esquinas de portas pequenas e namorando a loja da Alfândega que afinal comprei inteira com todos os temperos.

Venho esbarrando nos homens de terno que não são tão bonitos aqui como lá e pensando em coisas verdes, amarelas, magrelas, morenas, deliciosas, cantando no metrô para espanto certo dos transeuntes, ouvindo cantadas gaiatas ditas sem baba na boca e fazendo ouvidos de mercador na rua do ouvidor.

Seguir horários é mais fácil do que eu pensava, tudo me obedece até o estômago até o sono, consigo não ser inconveniente nem inconveniada na gritaria dos cor-de-rosa e estudar betume e soja com desenvoltura.

Mais ainda, meus estrangeiros agora vêm de perto e passeiam por ruínas da cidade, passeiam pelo chiquê dos restaurantes, até em borboletários se metem e eu atravesso incólume quase sem que as borboletas me toquem o estômago, orgulho de mim, intrépida. Não sei muito bem o que fazer com as crianças, bichinhos esquisitos.

Agora o barulho da máquina de escrever me lembrou daquela pasta de manuscritos guardada embaixo do colchão, não sei se um dia a resgato. Lembro de passagens em que a jovem se perguntava se um dia ia conseguir como se dar inteira sem rasgar pela metade ou algo assim, uma bobagem romântica, e eu cartesianamente descubro que é sempre metade que vai, sempre um pedaço pequeno, uma isca, esperando resgatar um todo que nunca chega.

Reconhecer incompletude incomoda mais que comer borboleta, mais que tropeçar em pedra portuguesa.

Vai ver estão certos, sou um pouco doida.

Coração ligado, beat acelerado

Ela é a pessoa mais volúvel que eu conheço. Ela não sossega, fica olhando pros lados, sem saber ainda se quer ser toda má Betty Davis, ou Audrey tomando sorvete em Roma. Quando anda nas ruas vai pensando na cena do filme ruim brasileiro que viu, a cena era boa, a moça muito descolê num balanço no meio de seu loft-estúdio de pé-direito muito alto, balançando e falando pro mocinho recém-reencontrado – paquera de adolescência, década e meia depois -, contando que foi voluntária na África, depois modelo em Nova Iorque, cansou e foi pra Paris e agora é artista aqui, aí dá impulso e abraça o rapaz com as pernas, se pendura nele, uma cena bonita. Ela pensa em quem queria abraçar com as pernas e quase não consegue contar todos mas também quase não tem perna pro melhor de todos, dá-se um jeito, polvo em polvorosa. Ela dá um gole na vodka e lembra de novo que nos filmes as pessoas bebem pouco, o truque da sedução envolve sempre um copo meio cheio, melhor assim, prefere beber pouco. Ela enumera de memória as histórias que tem pra contar reprimindo a vontade repentina de se passar por outra.

Alice não me escreva aquela carta de amor

Diário pra mim tem jeito de rebarba de caderno espiral. Sempre arranco o que a ridícula de meses atrás escreveu. Não sabia nada, coitada. No blog ao menos me obrigo a ser críptica, tentar parecer inteligente, me preservar, mandar recados escondidos a mim mesma, dedicar sentimentos anos depois – viu? aquele Matisse é de quando você me esqueceu – ou entregar meus segredos a outros na forma de links para três declarações de amor aleatórias seguidas. Mesmo assim, os posts não nascem no teclado quase nunca, e sim em cadernos espirais, numa caligrafia que, se tivesse sido usada num diário, garantiria a hermeticidade por si só.

Que o Natal existe, que ninguém é triste…

Em novembro, quando as primeiras decorações de Natal começaram a aparecer nas lojas, resolvi fazer uma pesquisa sobre os hábitos e tradições dos meus amigos. Meu objetivo era descobrir se tem muita gente que detesta essa época do ano e faz tudo por obrigação ou se os costumes são deliberados.

Divulguei o questionário aqui e no twitter. As respostas vieram devagarinho, e a pesquisa foi respondida 37 vezes. Excluí as duas pessoas responderam mais de uma vez, por pura distração (oi, Evandro! oi, Min!), e o anônimo que respondeu que presenteia carros populares no Natal. Os resultados abaixo se referem às 34 respostas válidas.

idade
religiao

Só a demografia já aponta como meus amigos são estranhos. Os respondentes têm de 21 a 44 anos (ninguém mais velho que isso!), alguns não quiseram responder a idade. Muitos também não responderam a religião, mas dá pra ver que tem mais ateus, agnósticos e pagãos do que cristãos.

arvore
presepio
decoracao

Ao contrário do que eu pensava, muita gente não monta árvore de Natal e pouquíssima gente monta presépio. As outras decorações são meio a meio. Eu não faço nada na minha casa, mas tenho um Jesus Cristinho que coloco na manjedoura quase todos os anos. Minha mãe é louca por Natal e muito católica, então lá em casa tem uma árvore cheia de enfeites (“uns 350”, ela diz casualmente) e sempre mais de cinco presépios, além de guirlanda, coroa do advento, várias coisinhas em forma de Papai Noel e boneco de neve e um lacinho em cada puxador de cada armário. Ufa!

cartoes

Eu me lembro da época em que recebíamos uns 30, 40 cartões por ano. Além dos amigos e conhecidos, várias empresas aproveitavam a ocasião para fazer marketing. Nós também mandávamos os nossos cartões (ou aerogramas natalinos dos correios) e eu ficava muito feliz de ajudar a minha mãe a passar os endereços a limpo, endereçar os envelopes, ouvir as histórias de cada pessoa da nossa lista. Dessa tradição eu sinto falta, mas sei também que a opção “mandar pela internet” – sejam cartões, posts ou emails – é bem mais sustentável.

ceia

Todo mundo come à beça, né? Ninguém disse que não participa de ceia de Natal. Os que responderam que gostariam de não participar o fazem por motivos opostos: um vai só pra ver os parentes e agradar a mãe, outra confessa que vai só pela comida mesmo.

viagem

Essa foi pra ver quem tem parente longe…

festa empresa

Não sabia que tinha tanta gente achando bacana a festa da empresa! Mas ficou dividido: um terço acha bacana, outro terço acha chato ou falta, e os outros não têm festa pra ir.

música
comerciais

Eu achei que absolutamente ninguém gostasse de música e comercial de Natal. Tem gente que gosta! Incrível! Recado aos que, como eu, não são fãs: desliguem a tevê e saiam do shopping. Ou procurem músicas melhores pra ouvir.

amigo

Esse negócio de amigo oculto/secreto/invisível é uma xaropada só. Se eu tivesse uma família gigante e fosse caro comprar presente para todos, vá lá que seja, mas amigo oculto da ginástica, do trabalho, … É tão impessoal! Eu participava quando estava no colégio e na faculdade, e olhe lá. Não participo há uns 3 anos. Parece que nesse quesito eu estou em minoria…

presenteados
gasto por presente
gasto por ano

Perguntei isso por curiosidade. É legal ter uma idéia de como as pessoas estão distribuindo os gastos nessa época.

tipos de presentes

Meus amigos presenteiam com livros, roupas e brinquedos.

Você gostaria de mudar suas tradições de Natal? O que você faria diferente?

Dez pessoas disseram que o Natal está bom do jeito que está.

Um amigo disse que faria dois Natais por ano.

Cinco pessoas disseram que aboliriam de vez o Natal.

“Só acompanho o Natal das famílias por política da boa vizinhança.”

“Não tenho tradição, participo passivamente das festividades familiares por falta de opção e pela oportunidade de ver parentes distantes.”

“Os meus hábitos estão de acordo com o que eu penso, com o que eu sinto. Mas, se eu tivesse poderes para mudar a tradição da sociedade como um todo, eu mudaria. Por mim, somente os cristãos de verdade celebrariam o Natal, o dia 25 de dezembro não seria feriado porque vivemos num Estado laico, e o Natal passaria batido. Eu não desejo “Feliz Natal” a ninguém, mas, todo dia, desejo felicidade àqueles de quem gosto.”

Uma pessoa gostaria de viajar.

Quatro pessoas têm vontade de ficar em casa em vez de fazer a ceia na casa dos outros.

“Ficaria em paz, na minha casa, vivendo uma noite como qualquer outra, sem pressão do resto da família pra comparecer a um evento.”

“Queria receber a família na minha casa. Cansei de ir pra casa dos outros!”

Cinco respondentes mencionaram os amigos, já que nessa data se privilegia a família biológica, e uma outra pensa em passar a data com alguém que esteja só.

“Se pudesse escolher, passaria o Natal rodeada de amigos, e não apenas com a família. Meu sonho é fazer uma grande festa com os amigos, mas eles sempre têm de ficar com a família.”

“Gostaria apenas de não ter hora para fazer as coisas e de poder ir à casa dos meus amigos. Na minha família não se come antes da meia-noite e ninguém pode sair da casa da minha avó.”

“Eu estou pensando em passar com alguém que precise de companhia. mas ainda estou desenvolvendo essa idéia na minha cabeça.”

Seis pessoas queriam menos correria, menos consumismo, menos pressão.

“Queria não ter a paranoia de presentes, amigos ocultos e reuniões/chopes de fim de ano. É cansativo, estressante… Para mim, é uma época e um dia de reflexão, de ponderar o ano, de pensar no próximo, rever as coisas, fazer planos, sonhar um pouco e não o corre-corre, shoppings lotados, consumismo desenfreado.”

“Gostaria de saber presentear melhor com coisas menores, ou aprender a dar ‘experiências’.”

“Presentes mais baratos, menos histeria de comprar presentes pra todo mundo, mais reuniões com os amigos.”

“Gostaria de propor um natal mais leve, com algum tipo de presente feito coletivamente pela família, que pudesse ser aproveitado por todos.”

Duas pessoas mudariam coisas na ceia e tropicalizariam o Natal:

“Mudaria os cardápios de Natal. Aboliria de vez o peru. Mas conservaria a rabanada. Essa é boa demais.”

“Adaptaria o Papai Noel ao nosso clima tropical. Aliás acho que seria mais legal explorarmos e exercitarmos mais a humanidade, a solidariedade e abandonarmos essa ideia materialista e egocêntrica que nunca teve nada a ver com o menino Jesus. E faria uma ceia mais leve, natureba.”

Só uma pessoa confessou…

“Nunca parei para pensar.”

Desconfiei desde o princípio… Gostei de ver as respostas à enquete. Parece que pelo menos as pessoas que responderam estão levando o Natal numa boa, sem muitas obrigações insuportáveis. A maioria parece estar aproveitando as próprias tradições. Quanto ao materialismo, eu sugiro que se fale mais sobre isso. Muitas vezes silenciamos para não ficarmos com fama de chato (ou hippie, no meu caso), mas quem sabe seus familiares e amigos não estão, secretamente, esperando alguém se manifestar sobre isso?

Desejo a vocês todos um feliz Natal, cheio de paz, saúde, alegria, pessoas queridas e escolhas simples!

Capital Social

(…) Não devemos, contudo, alimentar ilusões quanto aos efeitos milagrosos da participação em espaços culturais. A cultura oficial, tanto no sistema educativo quanto na vida profissional, enfatiza o individualismo e o desinteresse pelo bem-estar coletivo. Estimula o consumo afluente e o enriquecimento individual como principais objetivos na vida, o que enfraquece o tecido social e leva à sua desagregação. A predominância de valores contrários à solidariedade e cooperação resulta em expansão das redes de corrupção e delinqüência em todos os níveis da sociedade. (…)

RATTNER, Henrique. Prioridade: construir o capital social. Disponível em: <www.mundodigital.unesp.br>.

E tenho muito sono de manhã.

Estou na Tijuca, um calor infernal lá fora, ar-condicionado aqui dentro. Abro o browser e começo a digitar sem pensar o que vou dizer, com um evento no telão sobre artes de pixels (sabe, o simples que é mais complicado do que parece e vice-versa), adolescentes barulhentos em volta, e esperando que este sono que deixa o meu cérebro cinza e enevoado faça o stream-of-conscience render pelo menos uma ou outra idéia boa.

– Gol do Juventude! Caraca! [Do outro lado, Counter Strike.]

Esta semana estive revoltada

  • Se perguntarem do calor eu vou dizer que tá todo mundo doente. #docontra 9:21 PM Nov 5th
  • Se reclamarem da namorada eu vou dizer que ela tá certa. Se reclamarem do namorado vou dizer que ele tá certo. O mesmo casal. #docontra 9:22 PM Nov 5th
  • Se reclamarem do Natal vou dizer que a culpa é de quem assiste tv e vai ao shopping. Se adorarem Natal vou falar de AdBusters. #docontra 9:23 PM Nov 5th
  • Se disserem que ’09 passou rápido vou falar que aconteceram muitas coisas. Se ansiarem por 2010 vou lembrar que muitas foram boas. #docontra 9:24 PM Nov 5th
  • Vou encher o saco pra irem no meu aniversário até a hora do bar, mas vou pedir pra não levarem presente e perdoar quem não foi. #docontra 9:26 PM Nov 5th

E estive encantada

  • Deve existir um mundo paralelo com mais sexo, menos drama, mais companheirismo, e onde as pessoas brigam pra pagar a conta.

Ou seja, desplante e desbunde tudo numa pessoa só, assim como há famílias e famílias, a de cá e a de lá, biologias e osmoses.

 E a ansiedade que desconecta os pensamentos é de ter muita coisa pra além desta curva de agora. Quando a estrada aprumar e o caminho for reto (menos Dramin na cabeça) escrevo mais. Por enquanto, pensem que enlouqueci, não me importo.

Falando em enlouquecer, pensem aí num jeito de se apaixonar por alguém que a gente mal conhece e emendar a ponta do passado com um fiapo de futuro. Não faz sentido nenhum, eu sei.

Eu vejo um novo começo de era

(O futuro colorido chegou.)

homem, homem, vai mudar tudo
o mundo vai virar
vai ser a câmera girando no beijo do filme
o mundo em volta desfaz
os personagens principais alheios a tudo, beijando, beijando
acordam num mundo diferente
saem caminhando pelo que sobrou da hecatombe
os passos se enchem de flores colorindo a película
que crescem em câmera acelerada
até eles sumirem de vista, na direção do horizonte
felizes, felizes
o letreiro passa e as pessoas não saem do cinema
ficam meio abobadas pensando como é que pode
como é que fizeram dois personagens tão bobos mas que deram tão certo na tela
e a namorada esquece o biquinho e pede pra ir tomar milk-shake
o namorado dá um beijo nela e leva consigo o copo da pipoca que é pra não dar trabalho pra faxineira
todo mundo levanta e vai embora e fica só a faxineira
que trouxe uma coca-cola pro projetista e fica conversando com ele sobre como o filme é lindo
ela mora no subúrbio e conta a história do filme pro filho dormir quando ele ainda está acordado
aí ele vai pro colégio e desenha aquilo, e a professora não acredita
e chama a mãe, e a mãe vai e diz que é o filho que inventa essas coisas, caminhos com flores, que é um menino muito artista
e a professora vai pra casa pensando que o ensino não está perdido, que tem tanta criança linda e inteligente por aí
e manda os filhos serem mais legais com os outros
e eles acabam sendo porque a mãe diz essas coisas bonitas que acontecem na escola
aí o filho vai e fica perdidamente apaixonado por uma menina e é super bacana com ela
e eles se beijam
e parece que o mundo começa a girar…
como se fosse uma câmera num filme…

Só quero saber do que pode dar #certo

Podem me chamar de Poliana, mas eu só replico o melhor. Insisto na recusa a ampliar a voz dos idiotas – era assim o dito? -, por isso ignoro e não repasso o feio, o ridículo, a vergonha alheia, o erro, o boçal, o violento, o injusto. Reclamar da falta de gosto propagando o gosto alheio, jogar às feras a ignorância inocente ou dar megafone para a maldade insidiosa? Tô fora. Esperem de mim boas notícias.

E isso não é ingenuidade. O otimismo é um ato político.

O cinismo é frequentemente visto como uma atitude rebelde na cultura ocidental mas, na verdade, o cinismo no cidadão médio é exatamente a atitude que mais provavelmente servirá aos poderosos – cinismo é obediência. (Alex Steffen)