Palavras
Estava num joguinho desses de adivinhar palavras e apareceu a palavra inglesa dirge. D-I-R-G-E. Eu não fazia a menor ideia do que era, mas fui procurar e é um lamento fúnebre. Tem um sinônimo em português: endecha. Vivendo e aprendendo.
Em maio a Claudinha perdeu o pai dela. Minha mãe faleceu dia 13 agora. O pai da Alê faleceu dia 22.
Não tô pronta para falar sobre a minha mãe. Nem pra abrir o armário de roupas dela, nem pra pensar o que vou fazer com o celular (o número, o aparelho e as informações). A verdade é que eu não tô pronta pra nada.
Recebi tanto amor esses dias que não sei nem por onde começar. Cada palavra, cada abraço virtual, cada mensaginha de WhatsApp contou, e muito, pra me confortar. Muita gente falando coisas lindas sobre a minha mãe, muita gente indo lá em pessoa dar um abraço.
Algumas mensagens estão ecoando até agora.
Miguel falou: “Lembra que você não está sozinha. Primeiro porque você tem suas pessoas, mas também porque muita gente já passou por essa experiência. Nossos pais já perderam os pais deles, e tantos amigos nossos. Você vai ficar bem.”
Mila, cuja mãe saiu de cena em 2015, disse: “Bem-vinda ao clube de merda.” Eu achei isso genial. Um clube de merda, das pessoas que já perderam alguém tão próximo.
A Prill também falou em merda (um tema recorrente), de experiência própria: “Agora vão ser várias ondas diferentes de merda. Acaba uma, vem outra.”
Finalmente, o Nino gravou uma mensagem e lá no meio tinha uma frase que achei linda e sábia: “tenha paciência com o tempo.”
Eu nunca fui muito paciente.
La Serena
Cinco anos e um tiquinho atrás, eu estava em Campinas, na casa de um casal de colegas, quando vi no Twitter a notícia do assassinato da Marielle. Chorei com a mensagem que estava sendo passada pra todas nós com aqueles tiros. No dia seguinte, no trabalho ainda em Campinas, chorei o dia todo, e ninguém entendia, achavam que tinha acontecido algo com um parente meu. Quando eu dizia “mataram uma vereadora”, as pessoas ficavam confusas, porque nunca tinham ouvido falar dela, e mesmo algumas pessoas aqui do Rio não a conheciam. Foi horrível.
Então a Marielle tinha sido assassinada, os prospectos para a eleição presidencial não eram nada bons, o Rio passava por mais um período difícil. Todos os meus amigos mais por baixo que cu de cobra. Eu já estava há um tempo querendo receber pessoas em casa. Me inspirei no Domingator Cinemator, que a Teca organizava no começo dos anos 2000, e tive a ideia de a gente se juntar para jogar conversa fora e se abraçar, rir, conversar e ser feliz.
Em abril de 2018, fiz um anúncio assim no Facebook:
A gente aprende sobre tempos sombrios em outros lugares e épocas e se pergunta “como é que as pessoas davam conta de viver com tudo isso acontecendo?”. Bom, agora a gente sabe: cada um acha um jeito…
Este evento é um jeito de achar um jeito: vamos nos reunir semanalmente na minha casa pra tomar chá, vinho, cerveja, café, o que vocês quiserem, pedir uma pizza ou uns salgadinhos no delivery, jogar conversa fora, trocar abraços, fazer planos mirabolantes, rir, contar as novidades e ser um pouco mais feliz?
Convidei bastante gente porque sei que nem todo mundo pode toda semana, pensem nisso menos como uma festinha e mais como uma casa aberta. A confirmação é só pra eu ter uma ideia de quem esperar. Eu vou estar lá de qualquer maneira, venham chegando!
Em 2020 as reuniões passaram a ser online, por sugestão da Marcia. Sem a parte do “juntar” e do “abraço”, em outra época complicada. Continuamos nossas discussões sobre air fryer, comemoramos aniversários, réveillons, conquistas, lamentamos, filosofamos, bebemos, trocamos dicas sobre pintor, carpinteiro, ginecologista, pastel, máscara n95, e sei lá mais quantas coisas.
O La Serena foi das melhores coisas que já fiz.
Recentemente li o livro da bell hooks (que já mencionei por aqui) e tem um trecho assim:
M. Scott Peck começa o livro The Different Drum: Community Making and Peace [A batida diferente: a construção de comunidades e a paz] com uma declaração profunda: “Nas comunidades e através delas reside a salvação do mundo”. Peck define comunidade como a reunião de um grupo de indivíduos que aprenderam como se comunicar honestamente uns com os outros, cujos relacionamentos são mais profundos que suas máscaras de compostura, e que desenvolveram o compromisso significativo de “alegrar-se juntos, lamentar juntos” e de “deleitar-se uns nos outros, transformar em suas as condições dos outros”.
Criar comunidades tem sido um tema recorrente ultimamente (vive le algorithm!). Desde a moça que convenceu 22 amigos a morar no mesmo bairro que ela, até a ideia de viver num raio de 15 minutos de tudo que nos importa, até pensar o que vai acontecer quando ficarmos velhos. Eu acho que tô no caminho certo.
Que usemos o tempo e os recursos que nos restam para criar comunidades, amar e ser amadas. Eis um legado.
Por causa de você
Como diria o Jampa, tá mesmo morrendo gente que nunca morreu antes.
Leny Andrade no programa do Bial (vídeo). E no Spotify.
Ah, você está vendo só do jeito que eu fiquei
E que tudo ficou
Uma tristeza tão grande nas coisas mais simples
Que você tocou
A nossa casa, querida, já estava acostumada
Aguardando você
As flores na janela sorriam, cantavam
Por causa de você
Olha, meu bem, nunca mais nos deixe, por favor
Somos a vida e o sonho, nós somos o amor
Entre, meu bem, por favor
Não deixe o mundo mau levá-la outra vez
Me abrace, simplesmente
Não fale, não lembre
Não chore meu bem
Conta mais!
Eu sei que esta newsletter pode ter te deixado meio triste, me perdoa! Tô aqui pra você, é só responder esta mensagem.
(publicado originalmente no Substack e trazido pra cá em 13-mai-25)