A cidade ideal

Voltar a uma cidade e deixar que ela se emaranhe na sua vida enquanto você cria novas memórias. Quem morou todo o tempo no mesmo lugar não entende como é que pode alguém tomar amor por uma entrada de estação do metrô só porque ela fica perto do boteco onde aquela vez, aquela história. Não entende como o jardim de um prédio histórico já foi uma floresta gigante e refúgio de namorico adolescente e lugar de levar os sobrinhos e agora é caminho de vizinhança. A praça, a calçada, a loja, todos cenários de um Rio que não se visita: ele apenas é.

Palácio do Catete0032

Se é tarde, me perdoa

Houve uma época em que os pensamentos da madrugada desaguavam diretamente aqui no blog. Tudo era motivo: um comentário do dia-a-dia, um afazer, um diálogo. Mudamos eu, a internet, o blog, até os diálogos. O comum e corrente da vida vai parar num cercadinho chamado Facebook, há mais reservas e há menos blogs, como atestam as dezenas de urls fantasmas vistas na migração do meu Google Reader para o Feedly.

Mas o que é que eu queria?

Embraced by words, by Robbert van der Steeg
Embraced by words, by Robbert van der Steeg

Eu queria voltar. Eu queria desenguiçar a máquina de escrever. Ainda ando envolta em palavras, fazendo cachecol delas, e um pouco contrariada com Clarice que elegeu amar como forma de salvação individual. Ok, entendo, mas as palavras, ó, as palavras, têm sido tudo o que eu respiro e faço e espero, em tantos contextos diferentes. E têm sido salvação como desde sempre eu esperava. No entanto não vêm mais aqui e nem pelos mesmos motivos.

E continuo querendo.

Quando eu morava em outros lados e ficava uma semana inteira sem um abraço se não marcasse de ver os poucos e bons mais chegados, meu sonho dourado era andar pela rua reconhecendo gentes – conhecidos, amigos – em plena cidade grande e não só na mini-cidade do campus. Eu achava que encontros fortuitos iam ser o auge do pertencer.

E estava certa.

Ainda as palavras: outro dia ri sozinha ao lembrar daquelas: “Hoy, al verlo, me di cuenta que lo nuestro no es más que una ilusión.”

E era.

Relaxa, gata!

(Este texto é da programadora Katie Cunningham e foi publicado em seu blog pessoal, The Real Katie, e no BuzzFeed. A tradução é minha. Aceito correções e revisões.)

Recentemente, me perguntaram por que uma mulher que adora programar largaria esse ofício. Sério: houve um momento da minha vida em que eu decidi que programar era algo que eu só faria em privado. Só agora estou devagar voltando ao mercado.

Eu amo programar. Faço isso desde antes da puberdade. Fazia isso quando mal tinha dinheiro pra pagar o servidor. Faço isso nos fins de semana e noites, e estou ensinando meus filhos como fazê-lo. Gastei milhares de dólares para ir a conferências para poder aprender mais. Por que eu largaria uma profissão em que sou paga para fazer o que amo?

Em resumo, eu cansei de ouvir “relaxa”.

Tooga/Getty Images via BuzzFeed
Tooga/Getty Images via BuzzFeed

Essa indústria carrega um machismo sutil. Eu quase prefiro machismo aberto, porque pelo menos você consegue apontá-lo. As farpas sutis são geralmente descartadas como algo com que eu não preciso me preocupar. É uma piada! Afe. Por que você é tão sensível? Eu só fiz uma piada sobre você ter que estar na cozinha!

Relaxa.

As farpas também não são sempre piadas. Às vezes, são tentativas de me empurrar para um papel tradicionalmente “feminino”. Como mulher, eu fui a única pessoa do grupo a quem pediram para organizar um lanche (supostamente, esse é um trabalho indigno para homens). Eu fui a única a quem pediram para tomar notas numa reunião

Uns dias

Naqueles dias eu tive bem mais que os 20 minutos de coragem insana daquele filme que você me contou e eu não vi.

Naqueles dias eu fui um míssil teleguiado na direção do seu nariz arrebitado.

Nos dias seguintes eu pensei que tinha que mandar fabricar uma dúzia de você para envelhecerem – todos eles – na minha adega sob os meus cuidados.

Uns outros dias eu vi você em festas em bares em fotos e fiquei feliz de ser descomparada com a rival que eu achava que tinha.

Dia sim dia não eu peço conselhos que você me dá com paciência como se nós fôssemos os dois muito sábios e vividos.

Um dia ainda me cuido ou me mando para aí.

itsthefuckingtruth

 

Para ouvir: How sweet it is…

Noves fora

Nada nada.

https://www.youtube.com/watch?v=ur0UeGkTj2I

(Que me dê amor bem grande que pequeno não dá pé.)

Bituca e Guimba não podem ir à praia

Não, eles não são compositores de samba-enredo. Bituca e guimba são duas palavras (até bonitinhas!) para designar o filtro de um cigarro fumado (nada bonitinho).

http://www.flickr.com/photos/marknye/6786503492/sizes/z/

Confesso que não participo da tentativa de demonização dos fumantes. Sei que cigarro faz mal, mas tenho cá minhas simpatias por um ou outro fumante mais charmoso. O que acaba mesmo com qualquer boa-vontade da minha parte é ver alguém jogando bituca no chão. São bilhões de pedacinhos aparentemente inofensivos de acetato de celulose descartados inadequadamente ao redor do mundo a cada ano. Além de enfeiar a cidade e as praias, as bitucas terminam, quase invariavelmente, nos rios e oceanos. Cada guimba contamina aproximadamente 8 litros de água, matando microorganismos, e animais maiores são fatalmente enganados pelas supostas minhoquinhas.

É um problema fácil de resolver: não jogue as guimbas no chão, oras. As lixeiras urbanas em geral têm uma placa de metal onde o cigarro pode ser apagado antes de ser descartado. Uma alternativa um pouco mais trabalhosa é carregar seu próprio cinzeiro portátil, que pode ser um tubo de filme fotográfico, um estojinho de fio-dental, este cinzeiro lindo da Zippo ou esta caixinha australiana que faz piada visual com a palavra em inglês para guimba,butt (bumbum). E esses dias vi duas garotas apagarem os cigarros de um jeito inusitado: apertando a parte próxima ao filtro para expulsar a brasinha (para não ter que apagar o cigarro contra uma superfície) e carregando a bituca por mais alguns passos até achar uma lixeira.

Minha curiosidade é saber se o bom exemplo e a aura cool das pessoas que têm consideração para com o meio-ambiente e a limpeza urbana vão ser tão contagiosos quanto o foram, cada um a seu tempo, o tabagismo e o anti-tabagismo. O que você acha?

Publicado originalmente em 27.5.08 no meu extinto blog Simplim. “Simplicidade voluntária, vida simples, descomplicações e urbanidades. Para tribos diversas e enfoques variados.”

Mais infos sobre bitucas aqui, aqui e aqui.

Eu não sei dizer nada por dizer

Quando eu era criança fiquei fascinada pelos programas “Ensaio“, da TV Cultura. A ideia de não ouvir as perguntas mas apenas as respostas do artista, ali em close-up, muitas vezes em branco-e-preto, a fumaça do cigarro subindo pela cena, aquilo me encantava. Era uma sensação de intimidade louca, de papo de bar. Eu já sabia o que era um papo de bar porque as crianças nos anos 80 eram carregadas aos programas dos pais como coadjuvantes. Bons tempos.

Aí lá no meio dos 2000 surgiu o projeto On Being, do Washington Post. Desta vez a ideia era pegar pessoas semi-comuns da cidade de Washington DC e filmá-las contando sobre algo que as faz especial ou que elas amam muito. Queijo, maquiagem de palhaço, futebol americano, o sacerdócio. Qualquer coisa. O resultado, nesse fundo branco meio propaganda da Gap, também é hipnotizante. A interface online da coisa toda na época –  nem faz tanto assim, 2007 – era digna de prêmios, hoje é um pé gigante na paciência. Infelizmente poucos dos vídeos estão disponíveis no YouTube.

Da última vez que escrevi sobre On Being emendei o assunto em Up, porque é impossível não fazê-lo. Assisti ao 56 Up há poucas semanas. Este não é o mais emocionante dos filmes: todo mundo está com os netos, se aposentando, meio na mesma, não acontece nada de super emocionante. Por isso, o Apted se demora em provocar nos personagens reflexões meta-filme, para que eles falem das repercussões da série em suas próprias vidas. Também é o primeiro filme em que ele envolve e entrevista mais demoradamente personagens secundários: os filhos e cônjuges ligados às narrativas principais.

E nossas vidas a cada 7 anos, como seriam? Como seria esse retrato dos 7, 14, 21, 28, 35? E qual é a média dos nossos amigos, por que lado vieram as ondas de casamentos, namoros, filhos, separações, rejeições, perdas, conquistas? Qual história estamos contando? Quem é que está escrevendo esse script torto com linhas certas?

Como diz o físico do filme: “Não é um retrato exato de mim, mas é o retrato de alguém.”

Mas sonho que se sonha junto é realidade

Toca Raul!

Eu gostei daquela vez que tivemos o mesmo sonho com três dias de diferença, sem um ter contado pro outro. Era um elevador que andava na horizontal, e achamos que talvez pudéssemos estar com a sensação de estarmos sendo carregados.

Gostei de quando eu esqueci de levar o agasalho pro escritório e o meu chefe velhinho me emprestou uma japona de nylon grandona, e depois eu não lembro se fui eu ou ele quem apareceu com uma tirinha do woodstock e do snoopy sobre sentir frio.

Snoopy Shaw

Gostei daquele gringo que disse pra mim que quis vir aqui porque os alunos dele lá na terra distante eram imigrantes, e ele queria estar na pele de quem não fala um pingo da língua do país.

Gostei do dia em que um amigo e uma amiga, cada um de um canto diferente, se encontraram sem querer numa fila de bar e falaram de mim.

Gostei de ter conhecido um amigo online que virou offline e ele ter dito que meus olhos são de espartilho e não ter conseguido explicar.

Gosto muito de chegar em casa e ver tudo arrumado sabendo que se dependesse de mim ia estar uma bagunça.

Gostei de quando o meu pai me disse que dava apoio incondicional se eu quisesse mudar as coisas na minha vida, e gostei mais ainda daquela vez, antes, quando minha mãe disse a remesmíssima coisa. Eu escutei nas duas vezes.

Estou tentando me lembrar de coisas boas porque, sinceramente, senão não dá. Gosto quando dias ruins acabam.

(Estava salvo como draft desde agosto/2009, publiquei com alterações mínimas.)

Sua pose de princesa

A história é assim: uma engenheira lá dos EUA – o nome dela é Debbie – reparou que 90% dos seus colegas são homens (que surpresa, na Física também é assim). Ela viu que meninas perdem o interesse por engenharia depois de uma certa idade e resolveu fazer um brinquedo que as mantivesse interessadas. Pesquisando, ela reparou que não basta “rosificar” os brinquedos dos meninos. Meninas gostam de narrativas e de cooperação. Aí ela fez um protótipo, testou, botou no Kickstarter pra conseguir $150k, e conseguiu uns $280k pra financiar a produção dos próximos dois livros-brinquedo. A Toys’R’Us está vendendo nas lojas e este vídeo fofo e sensacional é para divulgação. A letra da música é toda original, elas só trocaram uma frase no refrão: “More than a princess!”.

http://www.youtube.com/watch?v=eyTQDX-ItiM

O primeiro brinquedo da série é um tabuleiro em que se encaixam pinos e roldanas (e mais uns bonequinhos de personagem) e que podem ser interligados com uma fita que faz as vezes de correia para que os bonequinhos girem. Ao longo do livro a personagem testa várias configurações para ver o que acontece.

Se quiser saber mais sobre mulheres em ciência, pesquise “women in STEM” ou “girls in STEM“. Só pra começar, tem uma seção do Huffington Post e uma página da White House sobre isso. Para ler histórias de mulheres pioneiras em STEM e de brinde ver deliciosas fotos vintage, veja Grandma got STEM. STEM, a propósito, é a sigla em inglês para englobar carreiras em  ciência, tecnologia, engenharia e  matemática.

Sou privilegiada, conheço tantas mulheres incríveis nessas áreas que não consigo nem enumerar.

(Via Miss Representation. Postado originalmente no meu Facebook, tive que trazer para cá para não perder, como faz o Roney.)