Cá no inbox, uma amiga cientista pergunta: “Qual será a proporção de homens e mulheres que são contraditos ou duvidados quando falam sobre sua especialidade por alguém (quase sempre um homem) que não é nem especialista na mesma area? Pense num ódio…”
Lá nos EUA, uma vez um professor do Dan (meu ex, que estudava filosofia da física) estava conversando com ele no almoço, propondo um thought experiment de relatividade especial – nave a, nave b, fio inextensível, etc. E eu do lado prestando atenção. Lá pras tantas o professor me pergunta “am I boring you yet, honey?”. O Dan rapidamente corrigiu o cara dizendo que eu tinha graduação e mestrado em física, e o cara só disse “ah, isso são dois diplomas a mais que eu”, deu de ombros e continuou sem pedir nem desculpa nem expressar embaraço.
Moral da história? Não seja esse cara. Por favor, não seja esse cara.
A hora certa de conversar sobre monogamia e relacionamentos abertos, sobre disposições emocionais várias ou sobre a tara esquisita que te faz cantar o Hino da Bandeira na hora do orgasmo (pátria, filhos e mãe gentil na mesma frase) é – presta bastante atenção! – naquele intervalo de tempo depois de beijar e antes de tirar a roupa.
Antes do beijo esses assuntos podem ser um ótimo quebra-gelo mas o investimento na situação é baixo demais e as pessoas podem deixar de se permitir algo que nem é tão ruim assim.
Depois de tirar a roupa já é quase uma traição, uma propaganda enganosa, um descombinado se infiltrando ali onde não devia.
É muito ruim comprar gato por lebre, mas dá uma olhada nesse gato de novo, vai…
A Cris Guerra disse uma vez, e eu achei muito verdade:
“Fique atento, filho: quando acontece de encontrar a cada dia mais mundos com alguém, costuma ser amor.”
São amigos, tradições, famílias, hábitos e manias que emprestamos uns aos outros, são planetas e galáxias que formamos juntos aqui e ali. O difícil nesta vida é resistir à tentação de comprar o mundo do outro de porteira fechada, sem questionar, sem misturar direito, sem botar uns elementos nossos no contraponto e sem se reexaminar de quando em vez. A gravidade puxa pra dentro e a gente acaba se misturando tanto a ponto de acharem que a gente é dali. De a gente achar que é dali.
Aí quando os planetas implodem a gente fica despatriado. A gente sai de um mundo pro outro sem nada na bagagem, ou com um ou outro souvenir intergaláctico. E se vê tão tão afastado da Terra que o único que resta é flutuar vagarosamente no espaço em caminho de volta e fazer do voo o mais agradável possível.
Voltar a uma cidade e deixar que ela se emaranhe na sua vida enquanto você cria novas memórias. Quem morou todo o tempo no mesmo lugar não entende como é que pode alguém tomar amor por uma entrada de estação do metrô só porque ela fica perto do boteco onde aquela vez, aquela história. Não entende como o jardim de um prédio histórico já foi uma floresta gigante e refúgio de namorico adolescente e lugar de levar os sobrinhos e agora é caminho de vizinhança. A praça, a calçada, a loja, todos cenários de um Rio que não se visita: ele apenas é.
Houve uma época em que os pensamentos da madrugada desaguavam diretamente aqui no blog. Tudo era motivo: um comentário do dia-a-dia, um afazer, um diálogo. Mudamos eu, a internet, o blog, até os diálogos. O comum e corrente da vida vai parar num cercadinho chamado Facebook, há mais reservas e há menos blogs, como atestam as dezenas de urls fantasmas vistas na migração do meu Google Reader para o Feedly.
Mas o que é que eu queria?
Embraced by words, by Robbert van der Steeg
Eu queria voltar. Eu queria desenguiçar a máquina de escrever. Ainda ando envolta em palavras, fazendo cachecol delas, e um pouco contrariada com Clarice que elegeu amar como forma de salvação individual. Ok, entendo, mas as palavras, ó, as palavras, têm sido tudo o que eu respiro e faço e espero, em tantos contextos diferentes. E têm sido salvação como desde sempre eu esperava. No entanto não vêm mais aqui e nem pelos mesmos motivos.
E continuo querendo.
Quando eu morava em outros lados e ficava uma semana inteira sem um abraço se não marcasse de ver os poucos e bons mais chegados, meu sonho dourado era andar pela rua reconhecendo gentes – conhecidos, amigos – em plena cidade grande e não só na mini-cidade do campus. Eu achava que encontros fortuitos iam ser o auge do pertencer.
E estava certa.
Ainda as palavras: outro dia ri sozinha ao lembrar daquelas: “Hoy, al verlo, me di cuenta que lo nuestro no es más que una ilusión.”
(Este texto é da programadora Katie Cunningham e foi publicado em seu blog pessoal, The Real Katie, e no BuzzFeed. A tradução é minha. Aceito correções e revisões.)
Recentemente, me perguntaram por que uma mulher que adora programar largaria esse ofício. Sério: houve um momento da minha vida em que eu decidi que programar era algo que eu só faria em privado. Só agora estou devagar voltando ao mercado.
Eu amo programar. Faço isso desde antes da puberdade. Fazia isso quando mal tinha dinheiro pra pagar o servidor. Faço isso nos fins de semana e noites, e estou ensinando meus filhos como fazê-lo. Gastei milhares de dólares para ir a conferências para poder aprender mais. Por que eu largaria uma profissão em que sou paga para fazer o que amo?
Em resumo, eu cansei de ouvir “relaxa”.
Tooga/Getty Images via BuzzFeed
Essa indústria carrega um machismo sutil. Eu quase prefiro machismo aberto, porque pelo menos você consegue apontá-lo. As farpas sutis são geralmente descartadas como algo com que eu não preciso me preocupar. É uma piada! Afe. Por que você é tão sensível? Eu só fiz uma piada sobre você ter que estar na cozinha!
Relaxa.
As farpas também não são sempre piadas. Às vezes, são tentativas de me empurrar para um papel tradicionalmente “feminino”. Como mulher, eu fui a única pessoa do grupo a quem pediram para organizar um lanche (supostamente, esse é um trabalho indigno para homens). Eu fui a única a quem pediram para tomar notas numa reunião
Não, eles não são compositores de samba-enredo. Bituca e guimba são duas palavras (até bonitinhas!) para designar o filtro de um cigarro fumado (nada bonitinho).
Confesso que não participo da tentativa de demonização dos fumantes. Sei que cigarro faz mal, mas tenho cá minhas simpatias por um ou outro fumante mais charmoso. O que acaba mesmo com qualquer boa-vontade da minha parte é ver alguém jogando bituca no chão. São bilhões de pedacinhos aparentemente inofensivos de acetato de celulose descartados inadequadamente ao redor do mundo a cada ano. Além de enfeiar a cidade e as praias, as bitucas terminam, quase invariavelmente, nos rios e oceanos. Cada guimba contamina aproximadamente 8 litros de água, matando microorganismos, e animais maiores são fatalmente enganados pelas supostas minhoquinhas.
É um problema fácil de resolver: não jogue as guimbas no chão, oras. As lixeiras urbanas em geral têm uma placa de metal onde o cigarro pode ser apagado antes de ser descartado. Uma alternativa um pouco mais trabalhosa é carregar seu próprio cinzeiro portátil, que pode ser um tubo de filme fotográfico, um estojinho de fio-dental, este cinzeiro lindo da Zippo ou esta caixinha australiana que faz piada visual com a palavra em inglês para guimba,butt (bumbum). E esses dias vi duas garotas apagarem os cigarros de um jeito inusitado: apertando a parte próxima ao filtro para expulsar a brasinha (para não ter que apagar o cigarro contra uma superfície) e carregando a bituca por mais alguns passos até achar uma lixeira.
Minha curiosidade é saber se o bom exemplo e a aura cool das pessoas que têm consideração para com o meio-ambiente e a limpeza urbana vão ser tão contagiosos quanto o foram, cada um a seu tempo, o tabagismo e o anti-tabagismo. O que você acha?
Publicado originalmente em 27.5.08 no meu extinto blog Simplim. “Simplicidade voluntária, vida simples, descomplicações e urbanidades. Para tribos diversas e enfoques variados.”
Quando eu era criança fiquei fascinada pelos programas “Ensaio“, da TV Cultura. A ideia de não ouvir as perguntas mas apenas as respostas do artista, ali em close-up, muitas vezes em branco-e-preto, a fumaça do cigarro subindo pela cena, aquilo me encantava. Era uma sensação de intimidade louca, de papo de bar. Eu já sabia o que era um papo de bar porque as crianças nos anos 80 eram carregadas aos programas dos pais como coadjuvantes. Bons tempos.
Aí lá no meio dos 2000 surgiu o projeto On Being, do Washington Post. Desta vez a ideia era pegar pessoas semi-comuns da cidade de Washington DC e filmá-las contando sobre algo que as faz especial ou que elas amam muito. Queijo, maquiagem de palhaço, futebol americano, o sacerdócio. Qualquer coisa. O resultado, nesse fundo branco meio propaganda da Gap, também é hipnotizante. A interface online da coisa toda na época – nem faz tanto assim, 2007 – era digna de prêmios, hoje é um pé gigante na paciência. Infelizmente poucos dos vídeos estão disponíveis no YouTube.
Da última vez que escrevi sobre On Being emendei o assunto em Up, porque é impossível não fazê-lo. Assisti ao 56 Up há poucas semanas. Este não é o mais emocionante dos filmes: todo mundo está com os netos, se aposentando, meio na mesma, não acontece nada de super emocionante. Por isso, o Apted se demora em provocar nos personagens reflexões meta-filme, para que eles falem das repercussões da série em suas próprias vidas. Também é o primeiro filme em que ele envolve e entrevista mais demoradamente personagens secundários: os filhos e cônjuges ligados às narrativas principais.
E nossas vidas a cada 7 anos, como seriam? Como seria esse retrato dos 7, 14, 21, 28, 35? E qual é a média dos nossos amigos, por que lado vieram as ondas de casamentos, namoros, filhos, separações, rejeições, perdas, conquistas? Qual história estamos contando? Quem é que está escrevendo esse script torto com linhas certas?
Como diz o físico do filme: “Não é um retrato exato de mim, mas é o retrato de alguém.”