Deixem as ONGs mais soltinhas!

Sobre doações corporativas para o terceiro setor.

“Alguns doadores começaram a se perguntar quanto da percebida inabilidade do terceiro setor de atingir impacto ou escala tem a ver com o fato de os doadores acreditarem que é sobre *eles* – a teoria de mudança deles, a estratégia deles, e a definição deles (e medida) de resultados. Esses doadores então criaram uma nova definição de fazer mais com menos. Financiamento menos restritivo. Exigências de relatórios menos onerosas. Uma atitude menos “papai sabe tudo”.

Isso é importante porque essa transformação está fundamentada em um conjunto de crenças básicas sobre organizações sem fins lucrativos. Se você acredita que organizações sem fins lucrativos são em grande parte ineficientes, têm poucos recursos e habilidades técnicas, não entende o modelo de negócios delas, você cria um sistema de financiamento cheio de prestações de contas, cumprimento de regras e liderado pelos doadores. Mas se você acredita que essas organizações são inovadoras, efetivas e têm um entendimento profundo sobre o seu setor mas que elas operam sob um conjunto de regras oneroso, práticas contraintuitivas, e um sistema de financiamento ineficiente, então você pode abrir mão de parte do controle, deixar o dinheiro fluir um pouco mais livre, e comprar a estratégia e a abordagem das organizações para resolver problemas sociais.”

David Greco, em post lindo – não novo, mas pertinente – no blog da Beth Kanter.

Criança no Facebook? A tia Maffalda não gosta…

Recebi ano passado a solicitação de amizade da minha prima Fulaninha no Facebook. Lá diz que ela nasceu 5 anos antes de os pais dela se casarem. A Fulaninha não tinha 23 anos, ela tinha 12, e o Facebook proíbe claramente usuários com menos de 13 anos.

Nos últimos anos eu tenho trabalhado com redes sociais e realmente acho muito legal que elas existam, mas não é lugar pra criança. Não é só por causa “dos adultos malvados da internet”. É também por causa das percepções de mundo que esse ambiente vai gerar.

macbook

Eu não sei se os pais da Fulaninha estão cientes dessa conta. Se estão, eu alertaria para o fato de que eles estão incentivando uma pré-adolescente a mentir, mas também diria para eles acompanharem de muito perto o que ela faz no perfil.

Quando a Fulaninha tinha 9 anos ela postou fotos de si mesma de biquíni, salto alto e maquiagem no Orkut, abertas para todo mundo ver, sem nenhuma configuração de privacidade. Sei que ela já aprendeu sobre isso, mas ainda acho que ela não tem discernimento para usar o Facebook.

Mentindo a idade para maior de 18 anos, ela está exposta a TONELADAS de anúncios inapropriados para a idade dela. Além disso, o Facebook está passando por mudanças que fazem até os adultos especializados nessa área ter dúvidas quanto às configurações de privacidade. Eu sou completamente a favor de ela entrar na rede daqui a um ano. Mas mentir a idade e se passar por mulher feita eu acho inadmissível.

Sei que “não posso falar porque não tenho filhos”, e em última instância a decisão é dos pais dela, mas desse negócio de internet eu entendo. Tentei falar com os tios dela, para que falassem com os pais (que não são muito próximos a mim) mas não adiantou muito.

Agora, a Beltraninha, irmã da Fulaninha, tem 8 anos na vida real e 20 online. Que tal?

Seguem alguns links sobre o assunto…

Vergonha alheia alheia

Quando ouvi pela primeira vez a expressão “vergonha alheia”, achei bacana ter uma descrição para o constrangimento que sentimos quando o calouro canta mal ou esquece a letra da música.

Ultimamente, porém, desenvolvi alergia à tal da vergonha alheia e começo a achar que esta é a expressão mais calhorda da web. Virou um carimbo de julgamento e de opressão.

O constrangimento pelo outro é até saudável, prova de empatia, de capacidade de entrar na pele de um semelhante e sentir o que ele sente, e provoca um instinto de ajuda ou de fuga. Mas a vergonha alheia arrogante que vemos por aí é justamente o contrário: um grande joga-pedra-na-Geni, que se compraz em condenar e procura motivo. Nem passa pela cabeça dos que se dizem tão constrangidos trocar de canal ou fechar o browser.

Se você sente muita vergonha alheia, reavalie se não é o caso de desligar um pouco o botão de julgar. Viva e deixe viver.

Vamos marcar!

“Vamos marcar!”, é o que dizem os cariocas. Aos desavisados, isso pode soar como “quero te ver, cara!”, mas na verdade o que a pessoa quer dizer mesmo é “por favor decida a hora e o local do encontro, convide nossos amigos em comum, e eu decido se vou, se me der na telha”. Para reencontros de colégio/faculdade (formados há mais de uns tantos anos) ou ex-colegas de trabalho, é ainda mais difícil organizar porque às vezes as afinidades já foram embora.

Someone's Lost Schedule Book

Para encontros grandes, a democracia não funciona muito bem. Se ficar pedindo para o povo marcar, todo mundo vai dar uma de peixe ensaboado e fugir da raia. Eu, que não tenho espaço para oferecer festas em casa, desenvolvi toda uma técnica para marcar encontros com muita gente. Eis o que sugiro:

  1. Escolha uma data que seja boa para você e para algumas pessoas (umas 6) mais próximas a você. Confirme com elas que a data é ok. Assim, se o resto do grupo faltar, você já tem o encontro garantido. Se for um grupo mais fechado (como as turmas de colégio/trabalho), escolha 2 ou 3 opções e use o Doodle para votar na data com mais pessoas disponíveis.
  2. Escolha um lugar conveniente para você e, se a conta for uma preocupação, verifique se esse lugar tem comandas individuais. Dependendo do tamanho do lugar, você vai ter que pedir para as pessoas confirmarem com antecedência para você fazer reservas.
  3. Divulgue a data e o local do evento para o resto do grupo. Se alguém pedir pra mudar de data, não ceda e corte logo, para a pessoa não confundir e dispersar os outros. Um “depois marcamos outro” é suficiente. Use mais de um método para a divulgação: email + facebook, email + telefone, telefone + pombo-correio, o que você achar que vai alcançar mais gente. Mantenha um controle das presenças (caderninho, planilha, evernote).
  4. Mande um email no dia anterior ou na manhã do dia lembrando o pessoal. Mesmo assim, 2 pessoas vão esquecer e 3 vão te ligar quando você está no banho ou a caminho para perguntar se “vai rolar mesmo” ou “onde é que você marcou” ou “é às 7 ou às 8?”. Releve.

Divirta-se!

E me convide, por favor. Se der na telha eu dou uma passadinha!

Para ouvir:

Você não me vê como eu sou

Estou tendo dificuldade de explicar, mas é mais ou menos assim: você começa uma conversa com um homem e, especialmente se essa conversa for online, lá pelas tantas você percebe que não é exatamente com você que ele está conversando. O diálogo é com um amálgama entre você e uma personagem de uma história qualquer que ele tem na cabeça.

hope

Dependendo de quem é o cara, a história da linha cruzada pode ser um enredo de revista pornô, uma história mal resolvida com uma ex ou até caso enrolado com a mãe. Um ou outro costuma jogar uma trama de revista Sabrina, mas é mais raro. No clube da finasterida, o galho pode ser crise de meia-idade ou problemas no casamento.

As dicas de que o portal da realidade alternativa foi ultrapassado são um certo descompasso entre as linhas narrativas, o uso de uma ou outra palavra fora de lugar, e um pedido estranho pra gente gemer de repente no fim da conversa (no caso dos fãs de Sabrina, basta um suspiro e eles ficam satisfeitos).

É desapontador para qualquer uma que carregue a esperança de ser considerada pela pessoa que é, a aparência que tem e as idéias que desenvolve. O negócio é que a gente não consegue sair incólume. Agora que mais ou menos consegui descrever a situação e tenho certeza de que algumas pessoas se reconheceram, espero que alguém me explique como acordar os pobres acometidos desse tipo de ilusão ou sair com fineza desse tipo de armadilha.

E o mundo fosse nosso outra vez

O rock nasceu para ser revolucionário numa época em que a juventude do mundo todo estava demonstrando suas inquietações políticas em manifestações públicas. No Brasil, a Bossa Nova e a Jovem Guarda simbolizavam o conformismo e apenas apareciam as primeiras guitarras elétricas. Vaias nos festivais eram o sinal de que o público queria menos “A Banda” e mais “Roda Viva”.

Mais de 40 anos depois, cá estamos num Brasil sem ditadura, em que a nova classe média ganhou poder de compra e faz uso dele, a velha classe média pendurada compra para não ficar atrás, e ficamos todos mais ou menos na mesma. A ignorância disfarçada de pessimismo inteligente faz com que as pessoas prefiram dizer que ‘político é tudo ladrão’ do que correr atrás de votar certo ou de vigiar o que os seus eleitos estão fazendo. Uma certa fadiga quanto ao discurso ambiental cega as pessoas para as possibilidades de iniciativa individual, e isso junto com a necessidade de demonstração de status resulta em cada vez mais carros, cada vez mais gadgets, cada vez mais bens materiais.

Essa curva de comportamento segue direitinho o roteiro de um país “em desenvolvimento”, nos moldes dos booms econômicos de além-fronteira. Só que agora o refrão “la crisis, la crisis” é deles, e as manifestações vêm de todos os lados. Fácil dizer que era no Egito que a coisa estava preta: Espanha e Grécia são mais perto do nosso imaginário e agora é Wall Street, o pedaço do touro, que está ocupada há duas semanas. Duas semanas de gente gritando, de gente colocando num mural quanto deve, gente que está perdendo emprego e casa protestando contra o domínio das grandes corporações sobre a vida deles. Nenhum jornal por mais de dez dias, até este sábado quando 500 manifestantes foram presos sobre a ponte do Brooklyn.

Enquanto isso, a música do “se a vida começasse agora e o mundo fosse nosso de vez” toca na televisão, o Rock in Rio é o principal assunto, e estamos todos voltados para a tela, sem um pingo de revolta no coração. A não ser, é claro, que consideremos o axé a maior ameaça ao bem-estar mundial.

http://www.youtube.com/watch?v=HRFw5u5wR4c

A série de tuites do @dj_spark que inspirou este post:

Tomaram a ponte do Brooklyn… Cês tão ligados que tá tudo ligado (Egito, Espanha, Grécia, etc) e estamos no meio de uma revolta, né?
Que isso deve mudar o papel das corporações, que talvez mude o fluxo do dinheiro, que se criem novos modos de vida, com outros enfoques?
Que tem gente para caralho de saco cheio de só se foder (e não vai ficar só reclamando no twitter).
O primeiro destaque do Globo foi quando prenderam 500 pessoas ontem. Antes disso, 2 semanas de protestos OCUPANDO Wall St. e nada no jornal.
E que estamos desdenhando isso daqui do nosso pais-zão, pq estamos bem, tranquilos, todo mundo enchendo a pança, pagando 700 reais pra show.

This is not a love song

I’m here again with a sunshine smile upon my face
My friends are close at hand
And all my inhibitions have disappeared without a trace
I’m glad, oh that I found somebody who I can rely on

Não era uma canção de amor, porque o amor ficou confundido com o tesão e nunca veio de verdade. Anos depois ela só guardava a lembrança de como a respiração dela mudava quando ele entrava no mesmo ambiente. E mais alguns anos, ela já não guardava nada, nem mágoa de como ficou tudo. Enfim, não era de amor mas era aquela música que por um tempo tocava no rádio ou numa dessas coletâneas da internet, e ela lembrava muito, lembrava ruim. Desabafando com um amigo sobre isso, tiveram uma idéia: vamos ressignificar essa música pra você, tá?

Ressignificaram gostoso.

Esta ficou no lugar.

Fossem somente crianças

Aos amigos que têm filhos, pergunto algumas coisas sobre as quais não tenho nem idéia.

O que é que as crianças aprendem de prático na escola hoje? Dessas coisas que nunca aprendemos: educação financeira, consumo, cidadania, educação para o trânsito, ambientalismo, economia doméstica, informática, ética?

E as coisas que na escola tradicional são consideradas “menores” e na nossa época às vezes deixavam a desejar? Artes plásticas, música, dança, teatro, esporte. Os filhos de vocês estão aprendendo essas coisas de alguém?

Como é que vocês tapam esses buracos, se os há? O dia a dia é aproveitado para pequenas lições ou isso é muito chato? Dá pra ensinar um pouco na rua, em frente à tv, nas brincadeiras, perto dos avós?

E, finalmente, como funciona a relação com os adultos próximos? Vocês têm uma pequena aldeia para criar seus filhos ou ainda sentem que têm sozinhos a tarefa de proteger a cria?

Eu não falei que ia fazer perguntas fáceis.

Para ouvir:

Even the orchestra is beautiful

Aquele lá era praticamente um musical. Você sabe que na vida real as pessoas não começam a cantar e dançar de uma hora para a outra – ainda menos de manhã -, você sabe que tem muita fumaça e muito espelho para aumentar a fila de coristas, você sabe que aquela pirotecnia toda é só para impressionar, e mesmo assiste maravilhada e ainda sai do cinema contente, com um sorrisinho bobo que persiste.

I am the highway

Às vezes tento adivinhar o que ele pensa quando lembra que eu ficava olhando para o sanduíche dele. Ele era incapaz de comer um sanduíche sem antes abri-lo e ajeitar milimetricamente a salada. Quer dizer, eu olhava para as suas mãos e puxava assunto para ouvir outra vez aquela voz.  Quero saber se ele percebia que eu ficava olhando ele dormir no sofá da sala de estudos, pensando why-oh-why esse homem não é meu. Se ele ainda acha que eu sou diferente e meio doidinha. Um dia pergunto o que ele sentia quando eu mudei pra longe e eu escrevia pra ele contando o que eu almocei e quão miserável era a minha vida, e ele respondia com todo o carinho. Quem sabe inventam uma tomografia qualquer pra eu ver se ele registrou em algum lugar a extensão do meu crush e se espelhava do lado de lá.