Alice não me escreva aquela carta de amor

Diário pra mim tem jeito de rebarba de caderno espiral. Sempre arranco o que a ridícula de meses atrás escreveu. Não sabia nada, coitada. No blog ao menos me obrigo a ser críptica, tentar parecer inteligente, me preservar, mandar recados escondidos a mim mesma, dedicar sentimentos anos depois – viu? aquele Matisse é de quando você me esqueceu – ou entregar meus segredos a outros na forma de links para três declarações de amor aleatórias seguidas. Mesmo assim, os posts não nascem no teclado quase nunca, e sim em cadernos espirais, numa caligrafia que, se tivesse sido usada num diário, garantiria a hermeticidade por si só.

Capital Social

(…) Não devemos, contudo, alimentar ilusões quanto aos efeitos milagrosos da participação em espaços culturais. A cultura oficial, tanto no sistema educativo quanto na vida profissional, enfatiza o individualismo e o desinteresse pelo bem-estar coletivo. Estimula o consumo afluente e o enriquecimento individual como principais objetivos na vida, o que enfraquece o tecido social e leva à sua desagregação. A predominância de valores contrários à solidariedade e cooperação resulta em expansão das redes de corrupção e delinqüência em todos os níveis da sociedade. (…)

RATTNER, Henrique. Prioridade: construir o capital social. Disponível em: <www.mundodigital.unesp.br>.

E tenho muito sono de manhã.

Estou na Tijuca, um calor infernal lá fora, ar-condicionado aqui dentro. Abro o browser e começo a digitar sem pensar o que vou dizer, com um evento no telão sobre artes de pixels (sabe, o simples que é mais complicado do que parece e vice-versa), adolescentes barulhentos em volta, e esperando que este sono que deixa o meu cérebro cinza e enevoado faça o stream-of-conscience render pelo menos uma ou outra idéia boa.

– Gol do Juventude! Caraca! [Do outro lado, Counter Strike.]

Esta semana estive revoltada

  • Se perguntarem do calor eu vou dizer que tá todo mundo doente. #docontra 9:21 PM Nov 5th
  • Se reclamarem da namorada eu vou dizer que ela tá certa. Se reclamarem do namorado vou dizer que ele tá certo. O mesmo casal. #docontra 9:22 PM Nov 5th
  • Se reclamarem do Natal vou dizer que a culpa é de quem assiste tv e vai ao shopping. Se adorarem Natal vou falar de AdBusters. #docontra 9:23 PM Nov 5th
  • Se disserem que ’09 passou rápido vou falar que aconteceram muitas coisas. Se ansiarem por 2010 vou lembrar que muitas foram boas. #docontra 9:24 PM Nov 5th
  • Vou encher o saco pra irem no meu aniversário até a hora do bar, mas vou pedir pra não levarem presente e perdoar quem não foi. #docontra 9:26 PM Nov 5th

E estive encantada

  • Deve existir um mundo paralelo com mais sexo, menos drama, mais companheirismo, e onde as pessoas brigam pra pagar a conta.

Ou seja, desplante e desbunde tudo numa pessoa só, assim como há famílias e famílias, a de cá e a de lá, biologias e osmoses.

 E a ansiedade que desconecta os pensamentos é de ter muita coisa pra além desta curva de agora. Quando a estrada aprumar e o caminho for reto (menos Dramin na cabeça) escrevo mais. Por enquanto, pensem que enlouqueci, não me importo.

Falando em enlouquecer, pensem aí num jeito de se apaixonar por alguém que a gente mal conhece e emendar a ponta do passado com um fiapo de futuro. Não faz sentido nenhum, eu sei.

Eu vejo um novo começo de era

(O futuro colorido chegou.)

homem, homem, vai mudar tudo
o mundo vai virar
vai ser a câmera girando no beijo do filme
o mundo em volta desfaz
os personagens principais alheios a tudo, beijando, beijando
acordam num mundo diferente
saem caminhando pelo que sobrou da hecatombe
os passos se enchem de flores colorindo a película
que crescem em câmera acelerada
até eles sumirem de vista, na direção do horizonte
felizes, felizes
o letreiro passa e as pessoas não saem do cinema
ficam meio abobadas pensando como é que pode
como é que fizeram dois personagens tão bobos mas que deram tão certo na tela
e a namorada esquece o biquinho e pede pra ir tomar milk-shake
o namorado dá um beijo nela e leva consigo o copo da pipoca que é pra não dar trabalho pra faxineira
todo mundo levanta e vai embora e fica só a faxineira
que trouxe uma coca-cola pro projetista e fica conversando com ele sobre como o filme é lindo
ela mora no subúrbio e conta a história do filme pro filho dormir quando ele ainda está acordado
aí ele vai pro colégio e desenha aquilo, e a professora não acredita
e chama a mãe, e a mãe vai e diz que é o filho que inventa essas coisas, caminhos com flores, que é um menino muito artista
e a professora vai pra casa pensando que o ensino não está perdido, que tem tanta criança linda e inteligente por aí
e manda os filhos serem mais legais com os outros
e eles acabam sendo porque a mãe diz essas coisas bonitas que acontecem na escola
aí o filho vai e fica perdidamente apaixonado por uma menina e é super bacana com ela
e eles se beijam
e parece que o mundo começa a girar…
como se fosse uma câmera num filme…

Só quero saber do que pode dar #certo

Podem me chamar de Poliana, mas eu só replico o melhor. Insisto na recusa a ampliar a voz dos idiotas – era assim o dito? -, por isso ignoro e não repasso o feio, o ridículo, a vergonha alheia, o erro, o boçal, o violento, o injusto. Reclamar da falta de gosto propagando o gosto alheio, jogar às feras a ignorância inocente ou dar megafone para a maldade insidiosa? Tô fora. Esperem de mim boas notícias.

E isso não é ingenuidade. O otimismo é um ato político.

O cinismo é frequentemente visto como uma atitude rebelde na cultura ocidental mas, na verdade, o cinismo no cidadão médio é exatamente a atitude que mais provavelmente servirá aos poderosos – cinismo é obediência. (Alex Steffen)

Meu corpo combina com seu jeito

O corpo acostuma. É o que eu acho mais bonito, não interessa onde: o impulso da bola de vôlei, a pressão certa do instrumento musical sobre o corpo ou vice-versa, o peso da bailarina no pas-de-deux, o toque da mão do outro naquela parte pequena das costas, o abraço gostoso do amigo. O corpo acostuma com como a voz passa e acostuma a esticar o braço e alcançar o mouse, a pegar uma pitada de sal e agitar a frigideira. O corpo acostuma e reacostuma, e a gente quase esquece como ele é inteligente.

Sou toda ouvidos

Cuide de você – Sophie Calle

Maffalda:
acho que vou dormir
sozinha
menina, depois marcamos um chopp pra eu te contar da expo
fiquei tão puta
Prill:
li ontem sobre essa exposição na Bravo
fiquei… car****o
mas puta? conta só um pedacinho
Maffalda:
ah.
mulheres.
sabe sex and the city?
sabe como às vezes o cara tem um defeito e as mulheres esmiuçam e amplificam
e acabam destacando o pior dos homens para verem a amiga que “merece coisa melhor” continuar sozinha?
sabe a histeria de achar que não precisam fazer nada
Prill:
uma? um?
Maffalda:
mas os homens têm que ser perfeitos?
o cara manda uma carta
Prill:
sim, sim
Maffalda:
que não é nada de mais, talvez um pouco evasiva, “ele não está a fim de você”
e chamam ele de cachorro pra baixo
só uma ou duas falam coisas sensatas
se fosse o contrário
se fosse uma mulher escrevendo a carta e uma expo sobre isso
seria ultra machista
eu ficaria ainda mais ofendida
sei lá, acho que a gente vive numa histeria coletiva onde
ser um homem hetero é uma coisa muito difícil
muito complicada
Prill:
porra… demais essa sua impressão
nossa
nossa
o Rafael está te apoiando baseado na Bravo
Maffalda:
fui vendo e fui ficando cada vez mais irritada
bufava, quase bati pezinho
(“porque essa seria uma reação super madura, Maffalda”, disse o moço)
Prill:
eu também achei exagerado. gostei da ideia, mas fiquei um pouco desconfiada
Maffalda:
a idéia é boa, tanto que mexeu
mas pô.
Prill:
receber uma carta de adeus é um tema muito bom
Maffalda:

que mulherada mais corporativista
Prill:
mas a coisa me pareceu reunião de mulheres pra falar mal do cara
Maffalda:
pois é
“ele não te merecia”
porra
essa é a pior
pior que isso só se o cara disser isso, porque aí em geral é verdade
Prill:
nossa, muito, muito bom mesmo saber isso que você viu
vou reler a carta daqui a pouco
Maffalda:
leia e depois me diga
já não se pode mais quebrar corações em paz.
ô vida.
Prill:
(me pareceu muita exposição da própria vida, dum modo que ultrapassa o que eu gosto da vida como arte, do cotidiano como arte. ficou… ahm… um pouco suzana vieira?)
Maffalda:
hahahaha
bom, posso postar isso no blog?
não digo pra ninguém que você terminou comigo por msn
Prill:
terminei?
bah, a mulher já tinha feito isso
claro que pode, eu fico pavão pracacete
Maffalda:
:*
então tá!
Prill:
fico feliz
🙂

PS: Para mais sobre a dificuldade de ser homem, veja o Dan Savage falar sobre caras hetero. (Em inglês, nsfw.)
Update: Atualizei o link do vídeo porque ele foi tirado do ar no canal original. Provavelmente por causa dos palavrões, quem sabe? (junho/2013)

Mulher de um homem só

Maffalda (por Alex Castro)Muita coisa já foi dita sobre o livro de Alex Castro, Mulher de um homem só. A narradora, que é estranhamente onisciente, fala de um tempo indeterminado no futuro onde muito já aconteceu – três gerações adiante? Também disseram, e com razão, que as neuroses dela são legitimamente femininas, revelando a compreensão que o autor tem das mulheres – árdua pesquisa, deve ter sido. Li também por aí alguém querendo saber por que as duas mulheres do livro nem se matam nem se comem. Seria outro livro, e nesse caso o título mudaria totalmente de sentido.

Gostei do estilo intimista da narradora, do vaivém dos fatos, afinal, ninguém se senta num boteco e conta tudo em ordem cronológica. Já fui Carla, já fui Júlia, já tive uma Júlia e se bobear fui até Murilo. Mas nao é esse o pulo de gato do livro. O grande lance é que até os que não são versados em armações triangulísticas se identificam com o livro porque MDUHS é sobre intimidade. Não amor, não ciúme, não relacionamentos. Intimidade.

A intimidade entre amigos de adolescência que faz com que um ature as idiossincrasias do outro e a outra saiba as taras do um, se eu mexer meu pé assim ele fica bem à sua vista, vou abaixar aqui pra pegar uma coisa no chão mas vê se não olha pra minha bunda, claro que eu quero que você olhe, tá bobo?

A intimidade entre marido e mulher que faz o controle mais fácil e simula aquilo que chamam de amor plácido, querido, vamos batizá-las, sim, querida, a madrinha será aquela que você não gosta, e sua mãe se intromete tanto.

A intimidade entre inimigas cordiais, fica quieta e mexe no meu cabelo, or causa dos santos a gente beija as pedras, não sei muito bem como me livrar de você, não quero seu mal mas por favor suma do mundo.

E depois as intimidades pequenas entre madrinha e afilhada, a outra amiga da adolescência, a mãe de alguém próxima, a própria mãe numa intimidade incômoda que geral palpites infelizes.

No fim fiquei achando que faltava à Carla um pouco mais de intimidade com outras pessoas, ou com um terapeuta, não sei. O final suspenso me diz que um dia a coisa muda, devagar, porque tudo muda se alguém muda. Mas a essa altura do campeonato todo leitor já tem intimidade com os personagens e sabe adivinhar o que acontece depois. Leia.

O falar por falar sendo assim não se diz

Bonito mas é melhor anotar que achei, porque depois posso não lembrar que o que queria mesmo era estar aqui mas não no por dentro da minha pele, queria estar ali cantando e remexendo e sendo outra, bonito mas quantas quis ser no meu futuro imaginário desejando ser ainda melhor, brilho e mãe e ainda assim ainda não e talvez nunca. E os outros adivinham isso em mim mas, claro, a dificuldade de adivinhar os outros às vezes é imensa. Sem jeito pra saralho.