Não se assuste pessoa

Hoje estou escrevendo mais que ontem e menos que anteontem. Saudade dessa escrita-umbigo, mais registro e menos conteúdo. Não divertia você, mas me faz chorar até hoje lembrando tempos idos, e olha que metade das vezes nem eu sei do que estava falando.

É claro que não tenho tempo de escrever, porque dá um pusta trabalho ser feliz. Quando a gente tá contente dá preguiça, aparecem as poucas costuras malfeitas, a gente fica planejando o futuro e tentando arrumar gavetas ao mesmo tempo em que tenta se aproximar das pessoas e fazer as coisas que aquela gente feliz faz nas propagandas e nos filmes. Canseira braba.

Quando a vaca tá magra parece que fica mais fácil ter arroubos artísticos, ganhar colo, encontrar os amigos, consertar tudo ali grosso modo porque qualquer melhora é lucro. Mas ó, não tô reclamando não. Não muito.

Para ouvir: Dê um rolê

Achados e Perdidas

Ele: “Eu tinha uma dessas sapateiras transparentes atrás da porta do meu quarto. Era uma época boa, eu morava sozinho… Aí a empregada, sem eu nem perceber, ia catando tudo que as meninas esqueciam lá em casa e colocando num bolso vazio da sapateira. Colares, brincos, coisas desse tipo. Comecei a sair com uma moça que depois virou minha namorada, ela esqueceu o relógio e eu liguei pra avisar. Ela falou: ‘ok, mas não põe ele lá no canto das meninas não, tá?’. Assim foi que eu soube que as mulheres reparam nessas coisas”

Um canalha gentil sempre guarda o que foi esquecido em sua casa, de preferência longe dos olhares curiosos das outras mulheres, sejam elas namoradas, rolinhos, flertes, mãe, irmãs ou tia Candoca. À safada de fino trato fica reservado o direito ao esquecimento por motivos alcóolicos ou de atividade sexual mas jamais, repito, jamais para marcar território. Ela sabe que não precisa desses subterfúgios. Pode ligar para pedir alguma coisa de volta, mas só se tiver clima pra isso e se for alguma coisa mais ou menos importante. E aprende que da próxima vez, né, nega, é pra isso que serve bolsa.

Este post é parte do Manual de Etiqueta Amorosa e Sexual para Canalhas Gentis e Safadas de Fino Trato. Se tiver alguma sugestão de tema, por favor deixe um comentário ou mande um email para maffalda (arroba) gmail (ponto) com.

These boots are made for walking

Por mais carmelita descalça que eu seja, ainda gosto de sapatos. Aquela coisa estereotipicamente feminina: olhar vitrine, achar alguns lindos e outros horrorosos, experimentar e, eventualmente, quando preciso, comprar.

Só um problema: eu, com meus 1,66m de altura, calço 40. Então a coisa não é tão simples assim, porque as lojas nunca têm o meu número e as vendedoras passam rápido da sorrateira olhadela para os meus pés às velhas mentiras “nosso 39 é grande” e “depois alarga”. Isso quando não estou procurando tênis, e ao perguntar pelo 40, ouço “não, esse é feminino!”.

Na casa dos 30 anos e nem tão alta assim, não consigo imaginar quanto calçam as altonas da nova geração. Das minhas 4 amigas que calçam o mesmo número que eu, a Tati mede 1,70m, a Bianca 1,72m,  a Carol 1,73m e a Prill 1,75. Ou seja, eu sou a baixinha dos pés grandes. Minha mãe diz que quando eu era criança ela botava vestidinho em mim e meus pés iam lá na frente, um vexame.

CampusParty 2010-14-2

Ultimamente, entro em lojas de sapatos e pergunto na lata: “sapatos femininos, até que número vocês têm?” Se a resposta for 39, eu me viro e vou embora sem nem uma olhadinha para os modelos disponíveis, que é pra não dar ibope pra comerciante mané.

Meu protesto inócuo, se não chega a configurar desobediência civil, poupa sanidade mental e bastantes dinheiros.

Lojas que vendem sapatos do meu tamanho: Pele Rara, Pontapé, Pé de Anjo, Confortaria, Ferni.

Sua altura e número dos pés nos comentários, por favor. E sugestões de lojas!

Tia Zilah

Meu pai menino veio do interior para o Rio morar com uma tia cujos filhos já estavam crescidos. “Preciso de companhia”, ela disse. Eram todos galalaus e a única moça era a mais velha, metida com políticas. Para o assombro do primo do interior, queimavam-se papéis e livros do Partido Comunista no auge da repressão, com um lençol protegendo o relumejar da chama dos olhares dos vizinhos e a descarga funcionando a noite inteira para se livrar das cinzas. A minha tia Zilah leu os jornais diários e teve uma opinião sobre tudo até anteontem, quando faleceu no Rio, aos 94 anos.  Não encontrei, óbvio, nenhuma prova de que ela tenha sido do Partidão.

Descanse em paz, tia Zilah.

(Mulheres extraordinárias nascem de mulheres extraordinárias.)

Envelheço na cidade

Hoje este blog faz 9 anos.

Quem começou a escrevê-lo foi uma outra Maffalda que achava que já sabia bastante e sempre teve vergonha de escrever diários. O blog registrou minha vida abertamente primeiro, e depois de forma um tanto críptica, e nos últimos três anos muito falhamente. Nunca teve um tema, sempre foi meio umbigo, me rendeu alguns amigos, registrou bons e maus momentos, serviu pra paqueras, tentou não se envolver em celeumas, continua aqui. Não dá pra dizer que a chegada do twitter e do google reader foram legais para o bichinho. Migrei para o wordpress, troquei a bruxa do Nalon pela bruxa do Weno (amo as duas), mas escrever que é bom, ultimamente, necas de pitibiriba. Em parte porque fiquei mais discretinha, sem querer mostrar muito o que faço e o que sinto – contradição enorme, já que no twitter estamos todos nus e de remela.

Conto então que estou bem, morando perto dos pais num apartamento muito pequeno e quase organizado, cada vez mais praticando a tal da simplicidade voluntária, ajudando a organizar uns encontros com os amigos pra ouvir idéias legais, trabalhando num projeto temporário que reúne muita gente bacana e fazendo um curso que apareceu na hora certa. Mesmo estando efetivamente em falta, não me sinto em falta com os amigos e o namorado e os amigos do namorado. Tem uma sensação de encaixe que tem permeado tudo e é muito bem-vinda.

Nos projetos futuros estão alguns posts pra cá que nem prometo mais, como um sobre currículos e um sobre livros, misturando cada vez mais os assuntos. O curso vai render um trabalho final bem bacana sobre bancos de tempo, que eu vou detalhar mais assim que organizar as idéias. Isso vai sair em definitivo lá pra dezembro, mas devo falar bastante sobre o projeto a partir do fim de julho. Quanto ao Simplim, que foi minha empolgação de outrora, estou pensando em matá-lo ou encostá-lo e trazer os posts em definitivo para cá. Um projeto sobre simplicidade está sobrando na minha vida simples! Se alguém tiver idéias para postar lá ou estiver interessado em discutir mais amplamente sobre simplicidade voluntária, estou a postos e de ouvidos abertos.

Em suma, não me deixem só. Pode ser que eu escreva em mais de 140 caracteres de novo.

A realidade é imaginada

Este artigo sobre ambientalismo mental vem muito a propósito das últimas polêmicas. Este é um trecho da tradução mais ou menos que fiz. Os grifos são meus.

Temos de afastar imediatamente a noção de que o nosso ambiente mental é único para cada indivíduo. Assim como nós compartilhamos o nosso ambiente natural, também compartilhamos nosso ambiente mental, que é formado através da cultura que consumimos

Eu lhe darei uma sandália de prata

Tenho livros de vários amigos na minha estante e livros meus espalhados por aí. Tenho roupas em três casas diferentes. Passei o reveillon na casa de um amigo e às horas da manhã que saí abandonei por lá minha maquilagem (todos os quatro itens), minhas sandálias novas prateadas (assim pensei) e a bolsa de Mafalda que minha irmã me deu. Meses depois a Queridona ia a uma formatura e já pronta descobriu que o par de sandálias em seu poder tinha um pé 40 e um pé 36. Foi à festa com sapatos que não dançam. Na época, eu disse que a culpa era do Dono da Casa, coitado, ao final era minha.  Longe de mim fazer pouco caso do imprevisto que passou a queridona, mas acho graça ter a minha vida misturada a outras. Pertenço.

We can play it safe, or play it cool

It’s a funny way, to make ends meet,
when the lights are out on every street,
It feels alright, but never complete,
without you,
(…)
We can play it safe, or play it cool,
follow the leader, or make up all the rules,
whatever you want, the choice is yours,
So choose.

Faz uns cem anos eu levava palavras pra passear e há quinhentos me enrolava nelas. De duas semanas pra cá são vinte cafés e achar o caminho com o nariz pelas ruas do centro, farejando esquinas de portas pequenas e namorando a loja da Alfândega que afinal comprei inteira com todos os temperos.

Venho esbarrando nos homens de terno que não são tão bonitos aqui como lá e pensando em coisas verdes, amarelas, magrelas, morenas, deliciosas, cantando no metrô para espanto certo dos transeuntes, ouvindo cantadas gaiatas ditas sem baba na boca e fazendo ouvidos de mercador na rua do ouvidor.

Seguir horários é mais fácil do que eu pensava, tudo me obedece até o estômago até o sono, consigo não ser inconveniente nem inconveniada na gritaria dos cor-de-rosa e estudar betume e soja com desenvoltura.

Mais ainda, meus estrangeiros agora vêm de perto e passeiam por ruínas da cidade, passeiam pelo chiquê dos restaurantes, até em borboletários se metem e eu atravesso incólume quase sem que as borboletas me toquem o estômago, orgulho de mim, intrépida. Não sei muito bem o que fazer com as crianças, bichinhos esquisitos.

Agora o barulho da máquina de escrever me lembrou daquela pasta de manuscritos guardada embaixo do colchão, não sei se um dia a resgato. Lembro de passagens em que a jovem se perguntava se um dia ia conseguir como se dar inteira sem rasgar pela metade ou algo assim, uma bobagem romântica, e eu cartesianamente descubro que é sempre metade que vai, sempre um pedaço pequeno, uma isca, esperando resgatar um todo que nunca chega.

Reconhecer incompletude incomoda mais que comer borboleta, mais que tropeçar em pedra portuguesa.

Vai ver estão certos, sou um pouco doida.

Coração ligado, beat acelerado

Ela é a pessoa mais volúvel que eu conheço. Ela não sossega, fica olhando pros lados, sem saber ainda se quer ser toda má Betty Davis, ou Audrey tomando sorvete em Roma. Quando anda nas ruas vai pensando na cena do filme ruim brasileiro que viu, a cena era boa, a moça muito descolê num balanço no meio de seu loft-estúdio de pé-direito muito alto, balançando e falando pro mocinho recém-reencontrado – paquera de adolescência, década e meia depois -, contando que foi voluntária na África, depois modelo em Nova Iorque, cansou e foi pra Paris e agora é artista aqui, aí dá impulso e abraça o rapaz com as pernas, se pendura nele, uma cena bonita. Ela pensa em quem queria abraçar com as pernas e quase não consegue contar todos mas também quase não tem perna pro melhor de todos, dá-se um jeito, polvo em polvorosa. Ela dá um gole na vodka e lembra de novo que nos filmes as pessoas bebem pouco, o truque da sedução envolve sempre um copo meio cheio, melhor assim, prefere beber pouco. Ela enumera de memória as histórias que tem pra contar reprimindo a vontade repentina de se passar por outra.