Aos amigos que têm filhos, pergunto algumas coisas sobre as quais não tenho nem idéia.
O que é que as crianças aprendem de prático na escola hoje? Dessas coisas que nunca aprendemos: educação financeira, consumo, cidadania, educação para o trânsito, ambientalismo, economia doméstica, informática, ética?
E as coisas que na escola tradicional são consideradas “menores” e na nossa época às vezes deixavam a desejar? Artes plásticas, música, dança, teatro, esporte. Os filhos de vocês estão aprendendo essas coisas de alguém?
Como é que vocês tapam esses buracos, se os há? O dia a dia é aproveitado para pequenas lições ou isso é muito chato? Dá pra ensinar um pouco na rua, em frente à tv, nas brincadeiras, perto dos avós?
E, finalmente, como funciona a relação com os adultos próximos? Vocês têm uma pequena aldeia para criar seus filhos ou ainda sentem que têm sozinhos a tarefa de proteger a cria?
Todas as vezes que eu tento explicar o que é o Café 22 para alguém, saio da conversa achando que não me expressei direito. E olha que eu já tentei de tudo. “TED de quintal”, “um evento de palestras”, “amigos trocando conhecimento”, “palestras de 15 minutos sobre qualquer coisa”, “compartilhamento de paixões”. Fica sempre uma distância entre o real e a descrição. Pelo visto, não sou só eu que penso assim. Já vi várias pessoas comentando sobre o espírito, o clima, a energia do Café 22, que são todas características intangíveis do evento.
Depois da última edição do Café 22, sábado passado, cheguei à conclusão de que o meu café vem em três xícaras, três ângulos, três facetas.
A dimensão utópica é a descrição do Café 22 que aparece no site e a maneira como em geral tento descrevê-lo: um evento de compartilhamento de idéias, conhecimentos e paixões. É um movimento que segue as tendências atuais de formação de comunidades por interesse, on e offline. “Idéias novas e assuntos pelos quais nossos amigos são intensamente apaixonados.”
O lado prático do café se revela ao constatar que somos um conjunto de pessoas que de alguma forma faz esse evento acontecer. A mecânica das inscrições, a divulgação, a produção do evento, o coffee break, os detalhes técnicos, os contatos com patrocinadores que gentilmente cedem espaço ou equipamentos, a produção de conteúdo e de um blog. Tudo isso pode ser colocado no currículo de qualquer um de nós e nos evidencia como uma equipe, um coletivo, uma referência.
A terceira faceta é a afetiva. Nada substitui o prazer de se verem tantas amizades e tanta intimidade surgindo que talvez não fossem acontecer em outro lugar. Surgem piadas internas, contatos profissionais, dicas imperdíveis – um curso bacana, um tênis diferente, um livro pertinente – e o senso de uma verdadeira comunidade.
Eu tenho um orgulho danado de fazer parte desse tal de Café 22.
A moda são infográficos. Eu detesto o nome infográfico, mas confesso que adoro gráficos em geral. Poder olhar para os dados e interpretá-los com a mente analógica (e não a interface digital, como seria uma tabela) é uma coisa linda.
Porém há que se tomar cuidado com os números. Eles fingem que são certinhos, imparciais, mas estão a serviço de qualquer um que queira usá-los para convencer alguém de alguma coisa. Quando a parcialidade se une à desinformação (ou má formação matemática dos jornalistas e do público em geral), a coisa se torna até perigosa.
Gatinhos, por exemplo… Um infográfico sobre o Facebook e outras redes foi publicado pela Advertising Age e um blog “não-oficial” sobre o Facebook republicou o gráfico, que contém algumas informações interessantes sobre países que mais usam o Facebook e o Linkedin e também sobre quem declara ter gatos no perfil. Olha só:
O artigo no blog que reproduziu o gráfico afirma:
O infográfico da Advertising Age contém algumas pérolas fascinantes, incluindo: (…)
86.5 porcento dos perfis femininos indicam ter gatos, mas apenas 13.5 porcento dos homens têm felinos.
Será verdade? Mais de 86% das mulheres têm gatos? Na verdade isso se deve a um erro de interpretação de quem escreveu o texto. Se eu digo que tenho 100 amigos e 10 têm gatos, dos quais 9 são mulheres e 1 é homem, eu posso dizer que 90% das mulheres têm gatos? O certo seria dizer que 90% dos que têm gatos são mulheres.
Viu como gatinhos números podem ser perigosos?
Portanto, antes de sair repetindo estatísticas por aí, pense criticamente na informação que está recebendo. Senão acabaremos tendo uma moda de “desinfográficos”.
Aquele lá era praticamente um musical. Você sabe que na vida real as pessoas não começam a cantar e dançar de uma hora para a outra – ainda menos de manhã -, você sabe que tem muita fumaça e muito espelho para aumentar a fila de coristas, você sabe que aquela pirotecnia toda é só para impressionar, e mesmo assiste maravilhada e ainda sai do cinema contente, com um sorrisinho bobo que persiste.
Às vezes tento adivinhar o que ele pensa quando lembra que eu ficava olhando para o sanduíche dele. Ele era incapaz de comer um sanduíche sem antes abri-lo e ajeitar milimetricamente a salada. Quer dizer, eu olhava para as suas mãos e puxava assunto para ouvir outra vez aquela voz. Quero saber se ele percebia que eu ficava olhando ele dormir no sofá da sala de estudos, pensando why-oh-why esse homem não é meu. Se ele ainda acha que eu sou diferente e meio doidinha. Um dia pergunto o que ele sentia quando eu mudei pra longe e eu escrevia pra ele contando o que eu almocei e quão miserável era a minha vida, e ele respondia com todo o carinho. Quem sabe inventam uma tomografia qualquer pra eu ver se ele registrou em algum lugar a extensão do meu crush e se espelhava do lado de lá.
O James era um negão – mulato – de dreads. Ele trabalhava no reduto hippie da universidade, um restaurante/lojinha natureba, ele cozinhava todos os dias algum prato vegano. Todos os anos ele dizia que ia voltar para os Camarões e nunca voltava, porque todo semestre de outono trazia uma nova leva de meninas branquinhas e novinhas de New Jersey, que ele, aos 30 e poucos anos, fazia de tudo para pegar.
Veja bem, eu presenciei isso, o James falando as bullshit theories dele para toda uma mesa de garotas que ouviam as suas viagens astrais de iogue hipnotizadas. Ele dava aula de yoga também, não sei se contei, eu fiz uma aula dele toda de calça de lycra colada e ele filmou a minha bunda em close pra mostrar pro instrutor, apesar de eu namorar na época um roommate querido dele. Alguém me disse uma vez, não lembro quem foi mas tenho certeza de que foi um cara: “Você pensa que o tempo que o James está lá na Coop cozinhando e servindo comida, ele está pensando em comida? Claro que não, ele está pensando em mulher, ele está pensando em pegar mulher.”.
Eu mal conheço você, cara, e eu leio seus textos e vejo em cada vírgula bem escrita pura tática e técnica de pegar mulher. Eu não caio nisso porque, sabe, quero crer que as balzacas são mais dificeis de enganar, mas tudo isso me trouxe uma reflexão profunda. Vocês é que estão certos, você e o James, as piruetas e o estudo da vida selvagem têm que ser mesmo de vocês. Como é que eu, ente uterino, vou dar bola para alguém que não fala que quer beijar meus pés, que não me chama de pistoleira nem de coisa nenhuma, ainda faz um ar blasé todo santo dia, um ar de nem aí, tranqs, se vier eu como, mas hoje não posso? Assim não dou.
Sorte minha ter lá o reduto de me acharem tudo, porque senão não sei o que eu faria nesses dias chorosos de revezar o colo entre cabeça e pernas, de pedir comida chinesa e tomar vinho, e também nos dias alegres das safadezas marcadas ou não.
Estou tentando dizer que nos meus dias ruins só uma fé me vale, nos dias bons também, e que eu nunca pensei que fosse ficar triste assim por causa de algo que não fosse a sua, a nossa, a alheia malícia. Eu estou aqui sentindo a minha própria fraqueza no que sempre me foi mais frágil e mais natural.
O James afinal voltou para os Camarões e não abriu nem uma escola de yoga, nem um abrigo de menores, nem virou presidente: ele casou com uma virgem e teve uma filha, como havia de ser.
E você, nego, se quer ser meu amigo tá fadado a ouvir a ladainha de quem, balzaca, ainda não se achou.
Continuo pensando, sentindo, amando, mas o escrever se esconde na falta de gramática para descrever o colorido de tudo que pulsa. Amo minhas mulheres insulares, meus homens inteligentes e gostosos, minhas bichas ousadas e minhas sapatas valentes.
O carnaval trouxe todo esse glitter à superfície, o amor cegueta e os cupidos apadrinhantes e amadrinhantes ficam por aí tentando o juízo de quem passa. Só resta ter um coração leve e um samba de Cartola à mão. É sempre – não, às vezes – bom revirar sentimentos e armários.
Nos escritos antigos fica clara a minha desistência: larguei mão de falar de amor porque as definições são tão amplas, fica difícil sair do lugar comum. De uns tempos para cá minha cabeça de fazer conta estabeleceu que
[amor] = [(respeito) + (admiração) + (tesão)].
Como toda equação, alterando as parcelas o resultado muda. Sem tesão o amor é fraterno, não há muito que se possa fazer, qualquer cama fica grande. É coisa para um amigo de fé, uma amiga incrível ou Gandhi. Quem some na cara-de-pau perde um pouco do respeito e o amor vira bandido porque, afinal, o tesão está lá e não tem como matar a admiração por quem está aí há tanto tempo. E quando a falta de intimidade impede o tanto de admiração para completar a equação, a coisa se chama sarna para se coçar, virou-mexeu você está cavucando mais fundo pra ver se rende, e pra qualquer lado que for essa sinuca de bico, o resultado não vai ser lá muito satisfatório.
– (…) Já vai ver como aqui é diferente.
– Em que sentido?
– Que as pessoas se deixam levar mais pelo presente, não estão planejando tudo o que virá, como nós. Não se preocupam tanto.
– Não é porque são um pouco irresponsáveis?
– Pode ser, mas assim a vida tem mais sabor, como eles dizem, há mais surpresas, mais espontaneidade, ou não?
– Você se apaixonou por alguém?
– Não, infelizmente não. Não tive a sorte. São muito diferentes, sobretudo de você.
– Em quê?
– Nas bebedeiras que tomam…
– E que graça tem isso?
– Bem, quero dizer que se embriagam, e se soltam, entende?
– Se descontrolam.
– Isso! Era a palavra que estava procurando. E é lindo, assim se pode conhecer melhor as pessoas. Não estão controladas o tempo todo, escondendo quem sabe o quê.
– Você está agressiva, Ana.
Como sempre, na névoa entre ir de um lugar ao outro, entre um tem-que, um quero-muito e um será-que-dá, as palavras ficam se enroscando e fazendo cócegas nas idéias. A palavra da vez foi foco.
Ontem acordei com o pé esquerdo e fiz o que pude para focar no mau humor, mergulhar nele, já que não tinha jeito, e me emputecer com o email errado, com o diálogo idiota no gtalk, com a sacola azul voando pelos ares, com o casamento para o qual não fui convidada em 2007, com os nay-sayers, com a fumacinha que pairava sobre as outras pessoas com quem a segunda-feira não estava sendo nada gentil, com o pequeno desencontro, com tudo. No fim achei foi graça, contei pra todo mundo a história do casamento em 2007 (juro, olhei nos arquivos do gmail, nem sinal de convite) e pronto. Virou piada.
Fui a um evento. Foco no marketing, boas companhias, transfusão de bom humor, cabelo grisalho em gente nova, essas coisas. A amiga me conta no meio da conversa: “todo mundo dizia tanto que foco é indispensável que dispensei o que é múltiplo em mim, mas eu não posso ser uma coisa só, eu tenho que ser muitas”. Achei tão bonito, consolidar sendo muito.
Jantei. Foco no mais importante. Se os ingredientes faltam nos restaurantes, não dá pra pensar em comida sem pensar em gente sem casa. Olhar para o que – quem – é essencial, olhar vendo, falar e ouvir, conseguir discernir. Não devia ser difícil, e nem é, mas precisa da mente quieta, da espinha ereta, precisa de um coração pululante, precisa não distrair com o que é colorido e brilha. Precisa alinhar, afinar, sintonizar. Focar.
E aí você vai ver a falta de foco é só foco em outras coisas mesmo. Esperadas, desesperantes, o que for. Porque era mesmo o que você queria, ter foco em alguma coisa, e se distraiu além da hora do jantar. Porque passou um menino bonito ou uma menina charmosa e você deu aquela viradinha marota com a cabeça. Acontece. Pisca forte, olha o horizonte, abraça bem o seu amor e ó: foco.
Hoje melhorei, troquei de pé, tudo fluiu melhor, obrigada. Ainda vai ter um enrosco ou outro, vou ficar indignada com coisas pequenas (a fama se sustenta desde 2005, um novo tipo de recorde ou prova de que sou mesmo muito teimosa e pé-no-peito), vou cismar ou me distrair ou virar um girassol, mas as coisas entram nos eixos que-eu-sei.
Tive foco suficiente para escrever vários parágrafos sem encostar em uma caneta. Mas a foto que publicaram de mim na rede social? Fora de foco. Melhor mesmo. Foco demais às vezes não faz bem. Pergunte às formiguinhas.