Você não me vê como eu sou

Estou tendo dificuldade de explicar, mas é mais ou menos assim: você começa uma conversa com um homem e, especialmente se essa conversa for online, lá pelas tantas você percebe que não é exatamente com você que ele está conversando. O diálogo é com um amálgama entre você e uma personagem de uma história qualquer que ele tem na cabeça.

hope

Dependendo de quem é o cara, a história da linha cruzada pode ser um enredo de revista pornô, uma história mal resolvida com uma ex ou até caso enrolado com a mãe. Um ou outro costuma jogar uma trama de revista Sabrina, mas é mais raro. No clube da finasterida, o galho pode ser crise de meia-idade ou problemas no casamento.

As dicas de que o portal da realidade alternativa foi ultrapassado são um certo descompasso entre as linhas narrativas, o uso de uma ou outra palavra fora de lugar, e um pedido estranho pra gente gemer de repente no fim da conversa (no caso dos fãs de Sabrina, basta um suspiro e eles ficam satisfeitos).

É desapontador para qualquer uma que carregue a esperança de ser considerada pela pessoa que é, a aparência que tem e as idéias que desenvolve. O negócio é que a gente não consegue sair incólume. Agora que mais ou menos consegui descrever a situação e tenho certeza de que algumas pessoas se reconheceram, espero que alguém me explique como acordar os pobres acometidos desse tipo de ilusão ou sair com fineza desse tipo de armadilha.

E o mundo fosse nosso outra vez

O rock nasceu para ser revolucionário numa época em que a juventude do mundo todo estava demonstrando suas inquietações políticas em manifestações públicas. No Brasil, a Bossa Nova e a Jovem Guarda simbolizavam o conformismo e apenas apareciam as primeiras guitarras elétricas. Vaias nos festivais eram o sinal de que o público queria menos “A Banda” e mais “Roda Viva”.

Mais de 40 anos depois, cá estamos num Brasil sem ditadura, em que a nova classe média ganhou poder de compra e faz uso dele, a velha classe média pendurada compra para não ficar atrás, e ficamos todos mais ou menos na mesma. A ignorância disfarçada de pessimismo inteligente faz com que as pessoas prefiram dizer que ‘político é tudo ladrão’ do que correr atrás de votar certo ou de vigiar o que os seus eleitos estão fazendo. Uma certa fadiga quanto ao discurso ambiental cega as pessoas para as possibilidades de iniciativa individual, e isso junto com a necessidade de demonstração de status resulta em cada vez mais carros, cada vez mais gadgets, cada vez mais bens materiais.

Essa curva de comportamento segue direitinho o roteiro de um país “em desenvolvimento”, nos moldes dos booms econômicos de além-fronteira. Só que agora o refrão “la crisis, la crisis” é deles, e as manifestações vêm de todos os lados. Fácil dizer que era no Egito que a coisa estava preta: Espanha e Grécia são mais perto do nosso imaginário e agora é Wall Street, o pedaço do touro, que está ocupada há duas semanas. Duas semanas de gente gritando, de gente colocando num mural quanto deve, gente que está perdendo emprego e casa protestando contra o domínio das grandes corporações sobre a vida deles. Nenhum jornal por mais de dez dias, até este sábado quando 500 manifestantes foram presos sobre a ponte do Brooklyn.

Enquanto isso, a música do “se a vida começasse agora e o mundo fosse nosso de vez” toca na televisão, o Rock in Rio é o principal assunto, e estamos todos voltados para a tela, sem um pingo de revolta no coração. A não ser, é claro, que consideremos o axé a maior ameaça ao bem-estar mundial.

http://www.youtube.com/watch?v=HRFw5u5wR4c

A série de tuites do @dj_spark que inspirou este post:

Tomaram a ponte do Brooklyn… Cês tão ligados que tá tudo ligado (Egito, Espanha, Grécia, etc) e estamos no meio de uma revolta, né?
Que isso deve mudar o papel das corporações, que talvez mude o fluxo do dinheiro, que se criem novos modos de vida, com outros enfoques?
Que tem gente para caralho de saco cheio de só se foder (e não vai ficar só reclamando no twitter).
O primeiro destaque do Globo foi quando prenderam 500 pessoas ontem. Antes disso, 2 semanas de protestos OCUPANDO Wall St. e nada no jornal.
E que estamos desdenhando isso daqui do nosso pais-zão, pq estamos bem, tranquilos, todo mundo enchendo a pança, pagando 700 reais pra show.

This is not a love song

I’m here again with a sunshine smile upon my face
My friends are close at hand
And all my inhibitions have disappeared without a trace
I’m glad, oh that I found somebody who I can rely on

Não era uma canção de amor, porque o amor ficou confundido com o tesão e nunca veio de verdade. Anos depois ela só guardava a lembrança de como a respiração dela mudava quando ele entrava no mesmo ambiente. E mais alguns anos, ela já não guardava nada, nem mágoa de como ficou tudo. Enfim, não era de amor mas era aquela música que por um tempo tocava no rádio ou numa dessas coletâneas da internet, e ela lembrava muito, lembrava ruim. Desabafando com um amigo sobre isso, tiveram uma idéia: vamos ressignificar essa música pra você, tá?

Ressignificaram gostoso.

Esta ficou no lugar.

Fossem somente crianças

Aos amigos que têm filhos, pergunto algumas coisas sobre as quais não tenho nem idéia.

O que é que as crianças aprendem de prático na escola hoje? Dessas coisas que nunca aprendemos: educação financeira, consumo, cidadania, educação para o trânsito, ambientalismo, economia doméstica, informática, ética?

E as coisas que na escola tradicional são consideradas “menores” e na nossa época às vezes deixavam a desejar? Artes plásticas, música, dança, teatro, esporte. Os filhos de vocês estão aprendendo essas coisas de alguém?

Como é que vocês tapam esses buracos, se os há? O dia a dia é aproveitado para pequenas lições ou isso é muito chato? Dá pra ensinar um pouco na rua, em frente à tv, nas brincadeiras, perto dos avós?

E, finalmente, como funciona a relação com os adultos próximos? Vocês têm uma pequena aldeia para criar seus filhos ou ainda sentem que têm sozinhos a tarefa de proteger a cria?

Eu não falei que ia fazer perguntas fáceis.

Para ouvir:

Even the orchestra is beautiful

Aquele lá era praticamente um musical. Você sabe que na vida real as pessoas não começam a cantar e dançar de uma hora para a outra – ainda menos de manhã -, você sabe que tem muita fumaça e muito espelho para aumentar a fila de coristas, você sabe que aquela pirotecnia toda é só para impressionar, e mesmo assiste maravilhada e ainda sai do cinema contente, com um sorrisinho bobo que persiste.

I am the highway

Às vezes tento adivinhar o que ele pensa quando lembra que eu ficava olhando para o sanduíche dele. Ele era incapaz de comer um sanduíche sem antes abri-lo e ajeitar milimetricamente a salada. Quer dizer, eu olhava para as suas mãos e puxava assunto para ouvir outra vez aquela voz.  Quero saber se ele percebia que eu ficava olhando ele dormir no sofá da sala de estudos, pensando why-oh-why esse homem não é meu. Se ele ainda acha que eu sou diferente e meio doidinha. Um dia pergunto o que ele sentia quando eu mudei pra longe e eu escrevia pra ele contando o que eu almocei e quão miserável era a minha vida, e ele respondia com todo o carinho. Quem sabe inventam uma tomografia qualquer pra eu ver se ele registrou em algum lugar a extensão do meu crush e se espelhava do lado de lá.

You’re my Poetry Man

Você é que nem o James.

O James era um negão – mulato – de dreads. Ele trabalhava no reduto hippie da universidade, um restaurante/lojinha natureba, ele cozinhava todos os dias algum prato vegano. Todos os anos ele dizia que ia voltar para os Camarões e nunca voltava, porque todo semestre de outono trazia uma nova leva de meninas branquinhas e novinhas de New Jersey, que ele, aos 30 e poucos anos, fazia de tudo para pegar.

Veja bem, eu presenciei isso, o James falando as bullshit theories dele para toda uma mesa de garotas que ouviam as suas viagens astrais de iogue hipnotizadas. Ele dava aula de yoga também, não sei se contei, eu fiz uma aula dele toda de calça de lycra colada e ele filmou a minha bunda em close pra mostrar pro instrutor, apesar de eu namorar na época um roommate querido dele. Alguém me disse uma vez, não lembro quem foi mas tenho certeza de que foi um cara: “Você pensa que o tempo que o James está lá na Coop cozinhando e servindo comida, ele está pensando em comida? Claro que não, ele está pensando em mulher, ele está pensando em pegar mulher.”.

Eu mal conheço você, cara, e eu leio seus textos e vejo em cada vírgula bem escrita pura tática e técnica de pegar mulher. Eu não caio nisso porque, sabe, quero crer que as balzacas são mais dificeis de enganar, mas tudo isso me trouxe uma reflexão profunda. Vocês é que estão certos, você e o James, as piruetas e o estudo da vida selvagem têm que ser mesmo de vocês. Como é que eu, ente uterino, vou dar bola para alguém que não fala que quer beijar meus pés, que não me chama de pistoleira nem de coisa nenhuma, ainda faz um ar blasé todo santo dia, um ar de nem aí, tranqs, se vier eu como, mas hoje não posso? Assim não dou.

Sorte minha ter lá o reduto de me acharem tudo, porque senão não sei o que eu faria nesses dias chorosos de revezar o colo entre cabeça e pernas, de pedir comida chinesa e tomar vinho, e também nos dias alegres das safadezas marcadas ou não.

Estou tentando dizer que nos meus dias ruins só uma fé me vale, nos dias bons também, e que eu nunca pensei que fosse ficar triste assim por causa de algo que não fosse a sua, a nossa, a alheia malícia. Eu estou aqui sentindo a minha própria fraqueza no que sempre me foi mais frágil e mais natural.

O James afinal voltou para os Camarões e não abriu nem uma escola de yoga, nem um abrigo de menores, nem virou presidente: ele casou com uma virgem e teve uma filha, como havia de ser.

E você, nego, se quer ser meu amigo tá fadado a ouvir a ladainha de quem, balzaca, ainda não se achou.

Para ouvir: Poetry Man

E o albino Hermeto não enxerga mesmo muito bem

Continuo pensando, sentindo, amando, mas o escrever se esconde na falta de gramática para descrever o colorido de tudo que pulsa. Amo minhas mulheres insulares, meus homens inteligentes e gostosos, minhas bichas ousadas e minhas sapatas valentes.

O carnaval trouxe todo esse glitter à superfície, o amor cegueta e os cupidos apadrinhantes e amadrinhantes ficam por aí tentando o juízo de quem passa. Só resta ter um coração leve e um samba de Cartola à mão. É sempre – não, às vezes – bom revirar sentimentos e armários.

Nos escritos antigos fica clara a minha desistência: larguei mão de falar de amor porque as definições são tão amplas, fica difícil sair do lugar comum. De uns tempos para cá minha cabeça de fazer conta estabeleceu que

[amor] = [(respeito) + (admiração) + (tesão)].

Como toda equação, alterando as parcelas o resultado muda. Sem tesão o amor é fraterno, não há muito que se possa fazer, qualquer cama fica grande. É coisa para um amigo de fé, uma amiga incrível ou Gandhi. Quem some na cara-de-pau perde um pouco do respeito e o amor vira bandido porque, afinal, o tesão está lá e não tem como matar a admiração por quem está aí há tanto tempo. E quando a falta de intimidade impede o tanto de admiração para completar a equação, a coisa se chama sarna para se coçar, virou-mexeu você está cavucando mais fundo pra ver se rende, e pra qualquer lado que for essa sinuca de bico, o resultado não vai ser lá muito satisfatório.

Falta muito pro próximo carnaval?

Pubis Angelical

– (…) Já vai ver como aqui é diferente.
– Em que sentido?
– Que as pessoas se deixam levar mais pelo presente, não estão planejando tudo o que virá, como nós. Não se preocupam tanto.
– Não é porque são um pouco irresponsáveis?
– Pode ser, mas assim a vida tem mais sabor, como eles dizem, há mais surpresas, mais espontaneidade, ou não?
– Você se apaixonou por alguém?
– Não, infelizmente não. Não tive a sorte. São muito diferentes, sobretudo de você.
– Em quê?
– Nas bebedeiras que tomam…
– E que graça tem isso?
– Bem, quero dizer que se embriagam, e se soltam, entende?
– Se descontrolam.
– Isso! Era a palavra que estava procurando. E é lindo, assim se pode conhecer melhor as pessoas. Não estão controladas o tempo todo, escondendo quem sabe o quê.
– Você está agressiva, Ana.

Em: Pubis Angelical, Manuel Puig.

Quem de dentro de si não sai
vai morrer sem amar ninguém

Um Manifesto Etílico-Digital.

A implicância do dia é com quem despreza a internet como lugar de encontro e amizade e lança o mesmo desprezo à mesa de bar. Como se…
28 Jan

Como se toda amizade e todo amor só pudessem vir de interações profundas e/ou elevadas. Essa gente tá perdendo a vida. Tem que ver isso aí.
28 Jan

E de mais a mais quem critica a internet em geral não está marcando chopp nem chá nem café “porque a vida anda corrida”. Discurso hipócrita.
28 Jan

E quem critica o chopp e a mesa de bar não está saindo por aí tendo conversas filosóficas e inteligentes. Duvideodó.
28 Jan

Internet serve pra marcar chopp e filosofia de botequim é o que há, e as pessoas mais interessantes que conheço falam abobrinha lá e cá.
28 Jan

Amo vocês, desci da tampinha, acabou o discurso. Obrigada.
28 Jan