Eu não sei dizer nada por dizer

Quando eu era criança fiquei fascinada pelos programas “Ensaio“, da TV Cultura. A ideia de não ouvir as perguntas mas apenas as respostas do artista, ali em close-up, muitas vezes em branco-e-preto, a fumaça do cigarro subindo pela cena, aquilo me encantava. Era uma sensação de intimidade louca, de papo de bar. Eu já sabia o que era um papo de bar porque as crianças nos anos 80 eram carregadas aos programas dos pais como coadjuvantes. Bons tempos.

Aí lá no meio dos 2000 surgiu o projeto On Being, do Washington Post. Desta vez a ideia era pegar pessoas semi-comuns da cidade de Washington DC e filmá-las contando sobre algo que as faz especial ou que elas amam muito. Queijo, maquiagem de palhaço, futebol americano, o sacerdócio. Qualquer coisa. O resultado, nesse fundo branco meio propaganda da Gap, também é hipnotizante. A interface online da coisa toda na época –  nem faz tanto assim, 2007 – era digna de prêmios, hoje é um pé gigante na paciência. Infelizmente poucos dos vídeos estão disponíveis no YouTube.

Da última vez que escrevi sobre On Being emendei o assunto em Up, porque é impossível não fazê-lo. Assisti ao 56 Up há poucas semanas. Este não é o mais emocionante dos filmes: todo mundo está com os netos, se aposentando, meio na mesma, não acontece nada de super emocionante. Por isso, o Apted se demora em provocar nos personagens reflexões meta-filme, para que eles falem das repercussões da série em suas próprias vidas. Também é o primeiro filme em que ele envolve e entrevista mais demoradamente personagens secundários: os filhos e cônjuges ligados às narrativas principais.

E nossas vidas a cada 7 anos, como seriam? Como seria esse retrato dos 7, 14, 21, 28, 35? E qual é a média dos nossos amigos, por que lado vieram as ondas de casamentos, namoros, filhos, separações, rejeições, perdas, conquistas? Qual história estamos contando? Quem é que está escrevendo esse script torto com linhas certas?

Como diz o físico do filme: “Não é um retrato exato de mim, mas é o retrato de alguém.”

Mas sonho que se sonha junto é realidade

Toca Raul!

Eu gostei daquela vez que tivemos o mesmo sonho com três dias de diferença, sem um ter contado pro outro. Era um elevador que andava na horizontal, e achamos que talvez pudéssemos estar com a sensação de estarmos sendo carregados.

Gostei de quando eu esqueci de levar o agasalho pro escritório e o meu chefe velhinho me emprestou uma japona de nylon grandona, e depois eu não lembro se fui eu ou ele quem apareceu com uma tirinha do woodstock e do snoopy sobre sentir frio.

Snoopy Shaw

Gostei daquele gringo que disse pra mim que quis vir aqui porque os alunos dele lá na terra distante eram imigrantes, e ele queria estar na pele de quem não fala um pingo da língua do país.

Gostei do dia em que um amigo e uma amiga, cada um de um canto diferente, se encontraram sem querer numa fila de bar e falaram de mim.

Gostei de ter conhecido um amigo online que virou offline e ele ter dito que meus olhos são de espartilho e não ter conseguido explicar.

Gosto muito de chegar em casa e ver tudo arrumado sabendo que se dependesse de mim ia estar uma bagunça.

Gostei de quando o meu pai me disse que dava apoio incondicional se eu quisesse mudar as coisas na minha vida, e gostei mais ainda daquela vez, antes, quando minha mãe disse a remesmíssima coisa. Eu escutei nas duas vezes.

Estou tentando me lembrar de coisas boas porque, sinceramente, senão não dá. Gosto quando dias ruins acabam.

(Estava salvo como draft desde agosto/2009, publiquei com alterações mínimas.)

Sua pose de princesa

A história é assim: uma engenheira lá dos EUA – o nome dela é Debbie – reparou que 90% dos seus colegas são homens (que surpresa, na Física também é assim). Ela viu que meninas perdem o interesse por engenharia depois de uma certa idade e resolveu fazer um brinquedo que as mantivesse interessadas. Pesquisando, ela reparou que não basta “rosificar” os brinquedos dos meninos. Meninas gostam de narrativas e de cooperação. Aí ela fez um protótipo, testou, botou no Kickstarter pra conseguir $150k, e conseguiu uns $280k pra financiar a produção dos próximos dois livros-brinquedo. A Toys’R’Us está vendendo nas lojas e este vídeo fofo e sensacional é para divulgação. A letra da música é toda original, elas só trocaram uma frase no refrão: “More than a princess!”.

http://www.youtube.com/watch?v=eyTQDX-ItiM

O primeiro brinquedo da série é um tabuleiro em que se encaixam pinos e roldanas (e mais uns bonequinhos de personagem) e que podem ser interligados com uma fita que faz as vezes de correia para que os bonequinhos girem. Ao longo do livro a personagem testa várias configurações para ver o que acontece.

Se quiser saber mais sobre mulheres em ciência, pesquise “women in STEM” ou “girls in STEM“. Só pra começar, tem uma seção do Huffington Post e uma página da White House sobre isso. Para ler histórias de mulheres pioneiras em STEM e de brinde ver deliciosas fotos vintage, veja Grandma got STEM. STEM, a propósito, é a sigla em inglês para englobar carreiras em  ciência, tecnologia, engenharia e  matemática.

Sou privilegiada, conheço tantas mulheres incríveis nessas áreas que não consigo nem enumerar.

(Via Miss Representation. Postado originalmente no meu Facebook, tive que trazer para cá para não perder, como faz o Roney.)

Indignação

“A indignação é parecida com um monte de outras coisas que são boas de sentir mas, ao longo do tempo, nos devoram de dentro para fora. Só que é ainda mais insidiosa do que a maioria dos vícios porque nós nem admitimos conscientemente que ela é um prazer. Nós preferimos pensar nela como uma reação desagradável mas fundamentalmente saudável aos estímulos negativos, como dor ou náusea, em vez de admitir que é uma emoção vergonhosa à qual nos entregamos avidamente de novo e de novo, feito masturbação compulsiva.

E, como em todos os vícios, grandes e lucrativas indústrias estão prontas para nos entregar o material necessário. Às vezes parece que a maior parte das notícias são ‘pornografia de indignação’, selecionadas especificamente para satisfazer nosso impulso de julgar e punir, para nos encher de indignação justificada.”

Não há nada de novo, ainda somos iguais

Segundo o instituto DataMaffa de pesquisa, os assuntos mais abordados em grupos de ex-alunos de escola e faculdade em redes sociais são:

casados vs solteiros (com menções às ‘patroas’ e aos ‘encoleirados’ e piadinhas desse naipe);
filhos (‘princesa’, ‘herdeiros’, ‘filhotes’, fofuchos’ – bônus se alguém fizer a execrável piada do ‘passou de consumidor a fornecedor’);
– quem encontrou quem na rua e quem estudou o quê;
– ‘boiolagem‘ (provocações de parte a parte e de vez em quando sobra para a orientação sexual de algum professor);
Vamos marcar! (e no subsequente encontro, os assuntos acima se repetem novamente intermeados por novidades e des-lembranças.).

Reclamo mais por esporte que por outra coisa, porque escola sempre foi microcosmo, desde a aurora da minha vida.

Continuo frequentando essas reuniões na maior boa vontade porque há pessoas-pérolas cuja amizade cultivo bem firme no presente, ainda que “deite raízes longe“. A essas e esses, minha mais absoluta gratidão.

http://www.youtube.com/watch?v=wPTUpn9ait8

Para assistir: Romy e Michele ahazando na dancinha da reunião de ex-alunos.

 

Que eu não acredito mais em você

Quando nossa amiga em comum nos apresentou, eu fiquei bem feliz. Fui lá num encontro às cegas, tomar café com você, te achar “okay”. Nos meses seguintes, tivemos tempo de nos aproximar, formar um relacionamento bacana, fazer muitas piadas bobas, rir, beber juntos, fazer mais amigos em comum. E depois disso, foi ladeira abaixo.

cinzeiro

Até hoje tento entender o que aconteceu. Você só queria saber dos seus amigos, parece que tinha vergonha de mim, deu pra debochar do que eu dizia na frente deles. Doeu. Doeu tanto que eu me afastei. E ao me afastar, acabei determinando o final daquela história. Quando eu disse tchau, você só disse: “cansou?”. Um ano e pouco depois, era tudo o que você tinha pra me dizer: “cansou?”. Como se o seu jogo fosse mesmo esse, me cansar.

Você quase não falou mais comigo. Você ficou bem. Você ficou ótimo, no topo do mundo, lá com os seus amigos. E quando falava comigo online, suas piadinhas eram sempre escrotas, depreciativas, forçando uma intimidade que já tinha acabado há muito tempo. Block, never show.

Aí um dia uma pessoa amiga (que nem no samba do Noel) falou que você não estava tão bem. E eu te chamei pra sair, conversar, “botar o papo em dia”. Confesso, paguei ingresso para te ver mal. Valeu cada centavo: estava lá você de novo, e o seu sarcasmo não escondia nada nada a sua miséria. Era você, menos o brilho no olho.

Eu acho que em algum momento dos meses seguintes, quando você começou a achar que era super meu amiguinho e que eu te devia contato constante, mesmo estando já em outra, você se emputeceu comigo e aí o tchau foi seu. Eu só pensei: “cansou?” e não me preocupei mais com isso.

Só que de vez em quando eu me lembro de quando eu pensava “aonde você for eu vou” (que nem na música da Marisa Monte). E aí eu vou procurar suas fotos, aquelas que registram cada vez menos vida. Minhas amigas dizem pra eu deixar pra lá essa mania de querer que você parasse com o que te faz mal. Mas se você não quer, se você mesmo não vê, foda-se.

Cansei.

Vapor Barato by Gal Costa on Grooveshark

Deixem as ONGs mais soltinhas!

Sobre doações corporativas para o terceiro setor.

“Alguns doadores começaram a se perguntar quanto da percebida inabilidade do terceiro setor de atingir impacto ou escala tem a ver com o fato de os doadores acreditarem que é sobre *eles* – a teoria de mudança deles, a estratégia deles, e a definição deles (e medida) de resultados. Esses doadores então criaram uma nova definição de fazer mais com menos. Financiamento menos restritivo. Exigências de relatórios menos onerosas. Uma atitude menos “papai sabe tudo”.

Isso é importante porque essa transformação está fundamentada em um conjunto de crenças básicas sobre organizações sem fins lucrativos. Se você acredita que organizações sem fins lucrativos são em grande parte ineficientes, têm poucos recursos e habilidades técnicas, não entende o modelo de negócios delas, você cria um sistema de financiamento cheio de prestações de contas, cumprimento de regras e liderado pelos doadores. Mas se você acredita que essas organizações são inovadoras, efetivas e têm um entendimento profundo sobre o seu setor mas que elas operam sob um conjunto de regras oneroso, práticas contraintuitivas, e um sistema de financiamento ineficiente, então você pode abrir mão de parte do controle, deixar o dinheiro fluir um pouco mais livre, e comprar a estratégia e a abordagem das organizações para resolver problemas sociais.”

David Greco, em post lindo – não novo, mas pertinente – no blog da Beth Kanter.

Criança no Facebook? A tia Maffalda não gosta…

Recebi ano passado a solicitação de amizade da minha prima Fulaninha no Facebook. Lá diz que ela nasceu 5 anos antes de os pais dela se casarem. A Fulaninha não tinha 23 anos, ela tinha 12, e o Facebook proíbe claramente usuários com menos de 13 anos.

Nos últimos anos eu tenho trabalhado com redes sociais e realmente acho muito legal que elas existam, mas não é lugar pra criança. Não é só por causa “dos adultos malvados da internet”. É também por causa das percepções de mundo que esse ambiente vai gerar.

macbook

Eu não sei se os pais da Fulaninha estão cientes dessa conta. Se estão, eu alertaria para o fato de que eles estão incentivando uma pré-adolescente a mentir, mas também diria para eles acompanharem de muito perto o que ela faz no perfil.

Quando a Fulaninha tinha 9 anos ela postou fotos de si mesma de biquíni, salto alto e maquiagem no Orkut, abertas para todo mundo ver, sem nenhuma configuração de privacidade. Sei que ela já aprendeu sobre isso, mas ainda acho que ela não tem discernimento para usar o Facebook.

Mentindo a idade para maior de 18 anos, ela está exposta a TONELADAS de anúncios inapropriados para a idade dela. Além disso, o Facebook está passando por mudanças que fazem até os adultos especializados nessa área ter dúvidas quanto às configurações de privacidade. Eu sou completamente a favor de ela entrar na rede daqui a um ano. Mas mentir a idade e se passar por mulher feita eu acho inadmissível.

Sei que “não posso falar porque não tenho filhos”, e em última instância a decisão é dos pais dela, mas desse negócio de internet eu entendo. Tentei falar com os tios dela, para que falassem com os pais (que não são muito próximos a mim) mas não adiantou muito.

Agora, a Beltraninha, irmã da Fulaninha, tem 8 anos na vida real e 20 online. Que tal?

Seguem alguns links sobre o assunto…

Vergonha alheia alheia

Quando ouvi pela primeira vez a expressão “vergonha alheia”, achei bacana ter uma descrição para o constrangimento que sentimos quando o calouro canta mal ou esquece a letra da música.

Ultimamente, porém, desenvolvi alergia à tal da vergonha alheia e começo a achar que esta é a expressão mais calhorda da web. Virou um carimbo de julgamento e de opressão.

O constrangimento pelo outro é até saudável, prova de empatia, de capacidade de entrar na pele de um semelhante e sentir o que ele sente, e provoca um instinto de ajuda ou de fuga. Mas a vergonha alheia arrogante que vemos por aí é justamente o contrário: um grande joga-pedra-na-Geni, que se compraz em condenar e procura motivo. Nem passa pela cabeça dos que se dizem tão constrangidos trocar de canal ou fechar o browser.

Se você sente muita vergonha alheia, reavalie se não é o caso de desligar um pouco o botão de julgar. Viva e deixe viver.